sexta-feira, 16 de julho de 2004

Dedo tem utilidade, sabia?

Ontem, assisti ao show da Ângela Ro Rô no French Quartier, um restaurante considerado “fino” de EsseEssaÁ. Vê-la pela primeira vez foi, como dizer?,  chocante. Por que digo isso? Porque a imagem dela atualmente é digna de pena. Emagreceu mais de 50 quilos. Mas a verdade é que essa impressão é logo afastada em função do poder de sedução do talento, que poucos, pouquíssimos artistas possuem. A interpretação característica, os trejeitos moleques, o ar de “tô viva, porra!” e a irreverência colocaram a platéia drinkinho-conversinha em suas mãos. Mas algumas pessoas ficavam pra lá e pra cá...
 
“Pensam que eu faço isso por hobby, sabia? Mas eu preciso que me paguem para sobreviver, o que não acontece sempre, hehe”, foi uma das tiradas da artista maldita e amaldiçoada, que bebeu água durante todo o show. Em determinando momento parou a apresentação para pedir que servissem seu maestro com um drink e a bebida demorou. E os garçons passando. Por duas vezes pegou uma garrafa de água da bandeja de um deles e deu, debochadamente, as garrafas para o técnico de som: - Toma, pra esquecer da vida, mas cuidado para não encher a cara, hehe. E as pessoas pra lá e pra cá...
 
No repertório, clássicos de sua carreira. Cantou também uma música em homenagem à Billie Holiday. No final, disse: “Essa se desgastou. À toa. Eu também me desgastei, hehe. Agora, vou cantar uma música pra Bethânia. Essa daí nunca se desgastou. Está intacta.” E cantou “Fogueira”. “Poderia fazer dois dias de show aqui, mas preferiram atochar a casa em apenas um, enchendo o bolso. Amanhã, vou ficar chupando dedo. Mas dedo eu não vou chupar porque gasta. Dedo tem utilidade, sabia? hehe” E as pessoas pra lá e pra cá...
 
Ângela ficou pequena. Não só a pessoa, mas a sua obra. Óbvio que percebeu isso. Quem não sente quando é maltratado? Mas ela precisa sobreviver. O show estava previsto para durar 1h30. Vinte minutos antes, ela encerrou e foi embora. Sem bis. “Acordei com sentimento de maternidade, querendo protegê-la. Ela sucumbiu ao massacre que o mundo impõe a quem é diferente. Estou sentida com a alma dela, precisa ser resgatada porque é necessária”, disse uma amiga minha, que a acompanha há mais de 20 anos. No domingo, a artista volta a fazer show popular no Pelourinho. 
 
Muitos dizem que nós pagamos pelo que fazemos, que somos conseqüência de nossas ações, blábláblá. E a Ângela é um exemplo disso. Mas, se tivesse nascido americana ou européia, seria reverenciada de outra maneira. Então, paguemos o preço por sermos brasileiros

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