sexta-feira, 26 de novembro de 2004

A verdade

Ou: A dupla, a tripla (ad infinitum...) existência da verdade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

A verdade, de Carlos Drummond de Andrade

Gosto demais desse poema do Drummond. Digo com culpa reconhecida em cartório que é um dos poucos que li dele. Mas são palavras muito significativas, principalmente quando penso na situação que vivi nesta semana, em que me desentendi com um amigo meu. Aliás, não foi um desentendimento. Digamos que "houve um desencontro". E, lógico, os amigos-juízes entraram na roda para opinar quem estava errado ou quem estava certo. Abre parênteses - Vou dizer uma coisa séria: eu tenho uma característica muito forte. Assim como tudo que leio, escuto, vejo ou tomo conhecimento meus amigos também têm que passar a mesma "experiência", eu os "obrigo" "delicadamente" a se manifestar em situações como essa. Quero saber a opinião, principalmente para me sentir mais seguro das minhas ações, se fiz a coisa certa ou não, mas de alguma forma esperando pela aprovação. Sou geminiano e fico me questionando o tempo todo. Por isso, quando estou com paciência, quero discutir. Afinal, saia justa é para amigos, não é mesmo? hehe! - Fecha parênteses.

Mas como o povo diz: quem pergunta o que quer ouve o que não quer. E, felizmente, eles não são maria-vai-com-as-outras. E eu não gostei de ouvir que "os dois estão errados". Óbvio que não é verdade! Convenci alguns, outros não - a minoria obviamente, que eu chamo de oposição. hehe! Alguns disseram que foi apenas um ingresso de teatro. Mas, de qualquer maneira, eu fico com um pé atrás para a próxima. Então, lembrei-me deste texto de Fernando Pessoa que, ao contrário do Drummond, leio sempre.

“Encontrei hoje, em ruas separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um contou a narrativa de porquê se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham toda razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado diferente. Não; cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.”

Claro que contra fatos não existem argumentos. Mas ri de tudo o que aconteceu. Não está esquecido, nem esclarecido. Mas, esses textos me fizeram pensar que o outro pode ter tido lá suas razões. Odeio ser compreensível, mas sou. Fazer o quê, não é?

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