terça-feira, 16 de novembro de 2004

Melodrama Noir

Até que enfim entrou em cartaz, nos cinemas brasileiros, o filme Má Educação (La Mala Educación), do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, inegavelmente um dos mais interessantes diretores de cinema e personagens da atualidade, na minha opinião. Não agüentava mais esperar! Assisti no domingo, no Bahiano. E pela quantidade de textos que já li hoje sobre o filme, posso afirmar que a película tocou muita gente. E é aquela coisa: Almodóvar não provoca meio-termo - ou você gosta do que vê ou não gosta. E só por isso já vale o ingresso - o meu me custou R$ 7.

A verdade é que, inicialmente, esperei ver um filme de denúncia ao abuso infantil cometido por um padre católico, assunto tão em voga hoje em dia e que causou uma polêmica daquelas antes da estréia do filme. Não é. É um trabalho provocativo na medida certa e inteligente. Mais: as reviravoltas da trama permitem que Almodóvar passe por temas como a ganância, a vingança, o ódio, o erotismo, as drogas, além, é claro, da pedofilia e da religião. E, na minha leitura, Má Educação, mostra, antes de tudo, o sexo como um instrumento de poder, muito mais que uma expressão de amor.

Abuso sexual com tintura almodovariana

É um filme muito íntimo, mas não é autobiográfico. Não falo de minha vida no colégio (...). Obviamente minhas memórias foram importantes na hora de escrever o roteiro, já que vivi nos locais e momentos onde a história se passa. ‘Má Educação’ não é um ajuste de contas com os padres que me educaram mal, nem com a Igreja em geral. Caso tivesse necessidade de me vingar, não teria esperado quarenta anos para fazê-lo. A Igreja não me interessa, nem como adversária. O filme não é uma comédia, ainda que haja humor nem um musical infantil, ainda que crianças cantem. É um film noir, ou, pelo menos, gostaria de considerá-lo assim. O gênero noir admite bem a mistura com outros gêneros, sempre que a narração respire esse ar fatal, sem o qual o negro (noir) seria cinza. No noir pode não haver polícia nem armas, nem sequer violência física, mas tem de haver mentiras e fatalidade, qualidades que normalmente uma mulher encarna: a femme fatale. Ela é consciente de seu poder de sedução e é fria, razão pela qual não se altera facilmente. É alguém que perdeu os escrúpulos e não se interessa em recuperá-los. Para ela, o sexo não é fonte de prazer e sim de dor para os demais. Em ‘Má Educação’, a femme fatale é um enfant terrible, o personagem interpretado por Gael Garcia Bernal”, disse.

E, convenhamos: Almodóvar é, antes de tudo, um habilidoso contador de histórias e oferece ao espectador o prazer de acompanhar a trama sob múltiplos ângulos, criando inclusive armadilhas. A história é a seguinte: Quando criança, no início da década de 60, Ignacio (Gael Garcia Bernal) estudava em um colégio interno católico. Lá ele sofreu abusos sexuais por parte de seu professor de Literatura, o padre Manolo (Daniel Gimenez Cacho), que marcaram sua vida para sempre. Ainda criança, Ignacio se apaixona por um colega do colégio, Enrique (Fele Martínez). Juntos, conhecem o amor, o cinema e o medo. Vinte anos mais tarde, os três personagens voltam a se encontrar e colocam suas angústias, frustrações e traumas em cima da mesa. Mas ainda há Juan, irmão de Ignácio, que conhece os outros dois, e que será o responsável pelas grandes reviravoltas da história.

Gael, o pequeno notável, e Almodóvar com os erezinhos

Ainda não tenho uma conclusão sobre o filme. O que é certo ou errado. Mas, faz pensar. Aliás, qualquer filme que faz com que você saia da sala de exibição pensando sobre ele ( em vez de pensar onde vai comer ou o que vai fazer quando chegar em casa) vale a pena. A razão do título do filme, segundo o diretor, baseou-se na educação que ele e outros espanhóis, mesmo de gerações anteriores, receberam, fundada no medo, no castigo, no sentimento de culpa. Para Almodóvar, “a educação perfeita para psicopatas. É um milagre que eu tenha crescido normal!”

Acho Almodóvar tão intrigante e interessante que ele seria meu objeto de estudo no meu projeto de graduação. Na verdade, queria estudar o melodrama na obra do cineasta, principalmente depois de ter assistido Maus Hábitos e A Lei do Desejo. Óbvio que não deu certo. Eu era maluco sem noção e a minha orientadora uma insana irresponsável. Mudei a tempo, de tema e de orientadora.

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