terça-feira, 8 de março de 2005

Ser Mulher

Ou: as feias que me desculpem, mas beleza é fundamental *

Sabe o que eu acho do Dia Internacional da Mulher? Importante e necessário. Uma consquista. Sabe o que eu acho das homenagens às mulheres no Dia Internacional da Mulher? Dispensável. Pelo menos, 90% de tudo o que se ouve e se vê nesse dia pode ser considerado discurso vazio e repetidor. Isso mesmo. Simplesmente, acho esquisitas determinadas homenagens com rosas e poemas melosos nesse dia. É bom deixar claro que não sou contra às celebrações. Ao contrário.

A questão é que ninguém me tira da cabeça as esquisitices e distorções que acontecem nessa data, como o título de uma matéria que um jornal publicou hoje: “As mulheres, mães, trabalhadoras, sofredoras, terão hoje todas as homenagens na passagem do seu dia”. Vejam, as três últimas palavras mudam todo o sentido simbólico da data, como a maior parte das homenagens “especiais” que acontecem no dia 8 de março. É como se, na verdade, se anunciasse: “- Amanhã, mulheres, voltem a sua realidade”.

Nesse sentido, considero mais estranho ainda quando um varejista ou seja lá o que for, como o Extra (poderia citar outros), publica anúncios homenageando as mulheres pelo “seu” dia. Mais uma distorção. Como achei uma pérola os anúncios, compartilho aqui. No primeiro deles, uma imagem de uma mulher sorrindo (elas sempre sorriem), com uma rosa vermelho-rubro no lado esquerdo (com o botão na altura de seu coração), com os seguintes dizeres: “O Extra faz de tudo para que você se sinta ainda mais mulher. Extra, o Hipermercado da mulher brasileira”. Fiquei comovido, mesmo não sendo mulher. Em outro anúncio, imagens de produtos como hidratante, deo colônia, desodorante, etc, com a mensagem: “As ofertas do Extra são uma verdadeira homenagem a todas as mulheres brasileiras”. E aí, mulher brasileira, que é que você acha desse tipo de “homenagem”, heim?

Brincadeiras à parte, o Dia Internacional da Mulher é, antes de tudo, um dia de reflexão. É um dia para se rever preconceitos e limitações que ainda vêm sendo impostos, em maior ou menor grau, a elas em todo o mundo. Não é um dia pela mulher, como se não soubéssemos de sua humanidade, (assim como não existe Dia Internacional do Homem, como muita gente sem noção questiona), mas sobre as situações pelas quais quem nasceu nessa condição passa. O escritor tcheco Milan Kundera, em "A insustentável leveza do ser", faz uma análise interessantíssima sobre isso: “Ser mulher é para Sabina uma condição que ela não escolheu. Aquilo que não é conseqüência de uma escolha não pode ser considerado como mérito ou como fracasso. Diante de uma condição que nos é imposta, é preciso, pensa Sabina, encontrar a atitude certa. Parecia-lhe tão absurdo insurgir-se contra o fato de ter nascido mulher quanto glorificar-se disso”. Acredito que essa análise pode ser, inclusive, estendida para qualquer outro grupo de pessoas: homem, negro, gay, etc.

- Ai, tá vendo como é bom ser mulher? Dá ate desconto no Extra. Tudo!

Pois bem, partindo do pressuposto de que ninguém escolhe ser homem ou mulher, “é preciso encontrar a atitude certa”. Historicamente, a mulher sempre foi excluída pelos homens. Se elas tiveram alguma participação social, sempre foi pela porta dos fundos. Afinal, os conceitos de mulher e feminino (natureza feminina) foram sempre retratados por uma ótica masculina. E, segundo os homens, as mulheres são seres de silêncio, que devem ficar com as tarefas do corpo, da procriação, da casa, da agricultura, da domesticação dos animais. E a mulher que fala ou se insurge deve ficar, na maioria das vezes, trancada em casas, escolas, conventos e manicômicos como histéricas. Até hoje, século XXI, as mulheres são trancadas. E até hoje, as mulheres que falam são tratadas como histéricas.

A verdade é que esse silêncio das mulheres teve o seu momento pérfido, quando foram levadas à fogueira, e teve também o seu momento cínico, quando foram transformadas no “belo sexo”. Condição essa produzida pela cultura com o apoio da filosofia e das artes. A produção do ideal do belo sexo, a propósito, é uma marca da modernidade. Por isso que, quando 130 operárias têxteis, ao reivindicarem a redução de sua jornada de trabalho de mais de 16 horas por dia para 10 horas, foram queimadas vivas dentro de uma fábrica, na verdade elas estavam querendo quebrar o silencio a que estavam sendo submetidas. Esse ato aconteceu no dia 8 de março de 1857 em Nova Iorque. Elas não estavam a fim de receber rosas nem descontos em supermercados. Queriam igualdade. Por isso que a questão feminina é atual e a solidariedade de todos é necessária para o próprio futuro da humanidade. Vamos celebrar as conquistas, sim. E dar rosas não necessariamente hoje, mas sempre que tiver vontade.

Bonus Track
Mais uma pérola da imprensa sem pauta.

"No Dia internacional da Mulher, duas grandes atrizes brasileiras protagonizam a eterna luta entre o bem e o mal e monopolizam a atenção dos telespectadores tupiniquins. Exageros e inverossimilhanças à parte, Renata Sorrah (Nazaré) e Suzana Vieira (Maria do Carmo), na novela Senhora do Destino, mostram como a mulher pode ser mesquinha, má, bandida ou decidia, honesta, empreendedora, encantadora, bom caráter. Nisso, elas estão em pé de igualdade com os homens. Conheçam melhor essas duas atrizes e suas histórias reais.” Agora, me digam: Tem algum sentido isso? Pode?

Bonus Track 2
Do Macaco Simão

“O mundo é das mulheres. Não adianta discutir. Aliás, se discutir, é pior! E aí diz que Deus criou o mundo em seis dias, no domingo descansou, na segunda criou a mulher. E aí ninguém mais descansou! E um amigo meu diz que vai comemorar o Dia da Mulher comendo a própria. E uma amiga me disse que vai comemorar tendo vários orgasmos múltiplos com eco. Pro prédio inteiro ouvir! E diz que mulher só transa com amor. Não é como homem que transa até com apple pie. Só porque é morna e gostosa! E uma amiga minha sapata me disse: "Eu vou comemorar o Dia Internacional da Minha Mulher. Rarará!"

* De Vinícius de Moraes.
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