sexta-feira, 4 de março de 2005

Escolhas. De novo.

I
Ele abriu o freezer. Já fazia seis meses que pusera lá o coração. Achava que estava pronto para outra, agora que a esquecera. Tirou o pote e o depositou na pia. Enfiou o coração de volta na caixa torácica. Só então percebeu que ele não sabia mais bater.

II
Ele falava entusiasmadamente com ela quando a flagrou com aquele olhar maroto que antecede uma travessura. Ela o interrompeu uma fração de segundo depois dando-lhe um beijo de leve na boca e abraçando-o com genuína ternura. Ele não soube como reagir; teve ânsias de deitá-la no chão do bar lotado e possuí-la ali mesmo. Mas conteve-se. Sabia que ela confiava nele, e aqueles selinhos não eram incomuns entre eles.

Ela o olhou falando rápido como uma metralhadora, como de hábito, e sua alma tremeu. Pensou "que diabos, por que ele não me beija?". Logo começou a sorrir com os olhos e decidiu tomar a iniciativa. Queria calá-lo com um amasso poderoso, mas conteve-se. Saiu um beijo de amiga e um abraço de irmã. Ficou puta consigo mesma ao perceber que o deixara sem ação.

Foi o mais perto que chegaram de um romance.

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Estes dois textos foram retirados do "Minicontos do desconforto", de André Machado. Foi publicado no site Paralelos, que conheci por acaso, como a maior parte das coisas da net. Coloquei porque tem a ver com o texto que escrevi na última terça-feira, sobre difíceis escolhas. Só pra encher o saco. Bom final de semana para todos.
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