sexta-feira, 11 de março de 2005

Senhora do Destino

Ou: Nascer, crescer, reproduzir-se e morrer

Quando ouvia essas palavras no primário, na época em que estudava Ciências e tinha que decorar que o homem era composto de cabeça, tronco e membros, achava um tanto quanto determinista essa sina humana. Mesmo não tendo noção do que fosse, por exemplo, fenômenos como suicídio, Igreja Católica, desemprego, sonhos, Fernando Pessoa, aborto, tempo, medo, romantismo, frustração, assassinato - ou outras tantas coisas que interferirão de certo modo nesse mantra biológico - o fato é que com sete ou oito anos já via minha vida sendo resumida a quatro palavras. Ficava com raiva, desolado, com uma nostalgia que naquele momento eu não saberia dizer o motivo. Coisas de criança.

- Eu nasci, cresci, me reproduzi e vou casar. Eu sou a mocinha

Pensando bem, até que nos animais irracionais essa condição era para mim bem lógica. Afinal, eu via um pinto nascer, crescer, dar pro galo, botar ovo (reproduzir!) e morrer. (Sim, minha casa tinha quintal quando eu era criança). Engraçado que minha mãe nunca me deixou ver como se matava uma galinha. Ela fechava a porta da cozinha e dizia: - Saia! Até hoje, tenho um certo bloqueio com relação a isso. Horas mais tarde, via a coitada da galinha morta sobre a mesa. E, não sentia remorsos não, viu? Aliás, com um tempero maravilhoso sobre a ave, nem me lembrava mais dela.

- Eu vou morrer. Eu sou má e seca. Mas, também quero me reproduzir! Só a retirante é que pode dar ao mundo um bando de faveladinhos, é?

Por outro lado, tinha os animais que eu, digamos, desenvolvia sentimento, como os cachorros (da família) Playboy, 13 anos, Lassie, 8, e Bárbara Catarina, 1, que morreram respectivamente de velhice e atropelamento (as duas últimas). Havia cágados, gatos e também um periquito australiano que era tratado como periquita. (Simplesmente todos achavam que era fêmea. Até ovo botou o coitado. Morreu, aos sete anos, ao avançar sobre Shayanne, uma pastor alemão, recém-chegada, que ainda não tinha sido catequizada na convivência entre diferentes lá em casa. A cadelinha não contou conversa: resolveu brincar com o periquito como se ele tivesse o seu tamanho. Não gosto nem de lembrar. O periquito só faltava falar... Pronto, Já saí do tema!

- Alguns pensam que eu sou um aborto. Mas eu nasci e cresci. O que é reproduzir, hein?

A vida desses animais mais próximos tinha, então, uma peculiaridade: seguiam seu ciclo, sem chamar muita atenção, até que... morriam. Era muito trágico. Provavelmente, foi o meu primeiro contato com a morte e com o crescer. O engraçado é que quando criança, o crescer passa meio lento. O dia é mais longo, o Natal e o nosso aniversário não chegam nunca e as distâncias são maiores. Tudo demora. Depois vem a adolescência e vamos crescendo e aprendemos, assim, que aos trancos e barrancos temos que seguir em frente. Hoje, fico realmente fascinado com a visão que adquirimos das coisas, das pessoas e da própria vida ao longo do tempo. Se eu comparar o que penso e faço hoje com o que eu pensava ou (não) fazia há cinco anos, por exemplo, nossa, que mudança absurda! Não tem nem graça voltar no tempo, que por sinal passa cada vez mais rápido.

- Nós juntas não podemos reproduzir, né, Mylla?
- Ainda não. Por enquanto, só podemos adotar!

Falo isso observando as mudanças físicas também. Muita gente reclama da força que o tempo exerce sobre o corpo. E elas têm razão, ele é implacável mesmo. Quando vejo minha avó de 95 anos, por exemplo, (ela é de alguma forma um espelho) dá um certo espanto notar como a pele fica marcada, enrugada, despregada do corpo. Por outro lado e em compensação, o que ela diz não tem preço. É aquela coisa: sabedoria só vem com o tempo. Pois, no quesito de mudanças físicas, modéstia à parte, vou indo muito bem, obrigado. Cada dia melhor por sinal. Ver fotos antigas melhora minha auto-estima pra caramba. Passei a gostar da forma que meu rosto está tomando, mais adulto, forte. Entre outras mudanças, evidentemente. Resultado: só tenho a ganhar com esse tal crescimento. Espero.

- Eu morri e vou pro inferno.

Aliás, é com esse crescer, que minha Pró de Ciências não disse, que vem as conquistas, as decepções, os amores, queixas, ódios, irritações que não aconteciam antes, descobertas, amizades, desencontros, desilusões, frustrações, vitórias, perdas e um emaranhado de acontecimentos e sensações nada fáceis de compreender. Um susto e uma surpresa atrás do outro praticamente. Por isso que sempre falo uma frase de Gabriel Garcia Marques que li em "O amor nos tempos do Cólera": Que “Deus (!?) nos dê aquilo que somos capazes de suportar”. Afinal, nossos problemas e dores são sempre maiores e mais fortes do que os alheios, não é verdade?

- Eu também morri e agora sou uma alma penada!

E aí vem os questionamentos dos os efes e erres da vida, pomos nossas máscaras (a depender das pessoas e situações) e seguimos os padrões. Ou lutamos contra. Afinal, qualquer padrão exclui e serve de infelicidade para pessoas que não se adaptam a ele. Começamos a amar, a nos misturar, a procurar identificações. E aí vem a história da reprodução.

Não, ainda não penso e nem quero fazer isso atualmente. Pra dizer a verdade, nem me preocupo. Mas percebo que é uma vontade que a cada ano ganha um peso maior. É alguma sina, o querer cuidar de alguém, ver o seu crescimento e suas peculiaridades, perpetuar a espécie? Como é ser alguém que não deixa descendentes e dá uma de Brás Cubas, aquele personagem de Machado de Assis que disse “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”? Também tem a questão da adoção? Mas, e daí, será que é legal? E aquelas que ficam pra tia? Enfim... o que dá se a pessoa resolve sair do padrão? (Olha ele sempre presente!). Nós temos o poder do livre arbítrio, ou não? Qual a diferença entre ter descendentes na velhice ou não ter descendentes? Quer saber... ainda é muito cedo pra falar sobre isso. E não vou nem comentar sobre o morrer. Afinal, ninguém voltou para dizer como é que é, e eu também não estou a fim de experimentar por enquanto.

Bonus Track
Termina hoje, a novela Senhora do Destino, da Globo. Sinceramente, não achei a menor graça. Tirando a vilã Nazaré, não sobraria muitas coisas. Fazer o quê, não é? Senhora do Destino é o maior sucesso da Globo nos últimos nove anos e a novela mais vista pelos brasileiros. Agora, vai começar o samba do crioulo doido da Glória Perez, América.
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