sexta-feira, 1 de outubro de 2004

Reflexão # 6

“A gente tinha dado uns beijos, mas ainda não estava nada certo. Então, eu perguntei para Davi: ‘Você lê?’. Como ele titubeou, fui logo dizendo: ‘Eu não leio. Não vem com papo furado de Clarice Lispector que não cola!’. Aí ele confessou que também não curtia ler”.

Ivete Sangalo, a mais nova solteira do pedaço, em entrevista à revista Veja, que lhe “deu” três páginas de editorial (Pernas pra que te quero) na edição do dia 01/09. Na época, a cantora mais badalada do momento, contava, em determinado momento da "matéria", como iniciou namoro com Davi Moraes, agora seu ex.

Quando li a tal matéria, há alguns dias, inicialmente não acreditei. Mas, depois, achei tão fofa a declaração de Ivete... Ela é tão estrategicamente povo, não é mesmo? E povo, nós sabemos, não lê. Resultado: identificação mais pura e sincera com ela, um ídolo vencedor (apesar de não ler). Mas não é só: na esteira da declaração na Veja, veio a lembrança uma outra dela no carnaval desse ano de EsseEsseÁ, cujo tema foi “Viva o povo brasileiro” em homenagem a João Ubaldo Ribeiro. No Campo Grande, Ivete avista o escritor e diz animadamente para ele: “... eu nunca li seu livro, mas minha irmã leu e me disse que é muito bom... he-he”. He-he.

Bem... Poderia falar sobre a questão da importância da leitura na vida de uma pessoa ou então da influência de um ídolo no comportamento daqueles que o acompanham e o veneram. Mas não. Citei essa declaração de Ivete porque me chamou a atenção um tema implícito nas nossas relações cotidianas: os gostos e desgostos em comum que fazem com que as pessoas fiquem umas com as outras. Afinal, uma pessoa que lê saberá viver sob o mesmo teto com uma pessoa que não tenha a mínima intimidade com um livro e vice-versa? Ou isso só acontece em literatura? Hummm... acho que ficou muito específico isso. Vou ampliar.

Oscar Wilde, em De profundis, um texto do tipo soco-na-alma escrito enquanto estava na prisão, diz: “Basicamente, o diálogo é o único vínculo capaz de unir duas pessoas, seja no casamento ou na amizade. Mas para que haja diálogo, é necessário que existam interesses comuns. E, entre pessoas de nível cultural totalmente adverso, o único interesse comum só pode existir ao nível mais baixo. A simplicidade de pensamentos e ações pode, inclusive, ser encantadora... no início. Depois cansa”. Claro que ele diz isso a partir da ótica dele, um intelectual.

Mas, eu poderia citar diversas relações (que eu conheço, vejo ou pelas quais passei) em que o casal simplesmente não tem papo. Acabou o tesão, acabou a relação. Uma coisinha, assim, tipo balada, entende? Mas aí, por outro lado, quando você vê um casal super entrosado, percebe que existe um interesse comum em jogo. Não necessariamente a leitura ou a falta dela. Por isso, a fala de Ivete vai além da singela e educativa declaração. Tsc, tsc... Nesse sentido, é uma pena, já que, desse jeito, nosso caldo não daria certo por muito tempo.

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