quinta-feira, 14 de outubro de 2004

Dia da Criança

Enfim, chegou o dia das crianças. “Será que vou ganhar algum presente este ano?”, pensou Marquinhos, um menino capetinha de sete anos, no degrau da porta de casa. Estava sentado, com o queixo encostado nos joelhos, de cabeça baixa. Com um graveto fazia desenhos no passeio. Ao léu. Não pensava neles. Fungava. De vez em quando, passava as costas da mão pelos olhos molhados.

Ano passado - lembrou-se - foi brincar de fazer castelo num montinho de areia que havia em frente à sua casa. Ela estava em reforma. Na ocasião, brincou com seu amigo Pedrinho. Brigou também com ele. Pedrinho estava muito alegrinho para o seu gosto. Se bem que hoje em dia não se lembra mais o motivo da discussão. Recorda-se apenas que ficaram sem se falar durante uma semana. Bem, quando Marquinhos voltou para casa, nem perguntou pelo seu presente, que não veio. Não reclamou, não fez cara feia nem nada. Ficou quieto e comportou-se como se nada tivesse acontecido.

“Data mais besta”, resmungou para si mesmo, jogando o graveto fora. Passou a mão pelo rosto. Fungou. Pensou na professora Lílian: “Como é linda a pró Lílian. Será que vai aceitar se casar comigo? Um dia tomo coragem e falo com ela... Ela me entende. Disse na aula de sexta que o Dia das Crianças é uma data comercial como o Dia das Mães e o dos Pais. Que Dia da Criança é todo dia. Não entendi direito, mas como ela disse, deve ser certo o que ela falou. Mas por que todo mundo ganha presente e toda hora passa comercial na televisão? Pedrinho ganhou brinquedo no ano passado e daqui a pouco deve tá batendo aqui na porta. Não sei porque ainda não chegou... ele sabe muito bem que a gente marcou pra caçar lagartixa hoje... Vou chamar ele de Pedro Bó. Vai ficar retado: Lá vem o Pedro Bó! Pedro Bó! hehe... Festa boa mesmo é a de Natal na casa de Vó Jurema. E lá não tem essa gente besta fazendo pergunta difícil de responder. Ninguém pergunta nada. E lá eu ganho sempre presente...”.

“A Marta e Mônica acordaram hoje com bonequinhas na cama delas. Eu não quis nem saber... aquelas chatas. Eu não tô nem aí pra elas. Marta me disse que quem deu a boneca dela foi sua madrinha. Menina besta aquela ali. É minha irmã, mas é besta. Queria de Tia Bete fosse minha madrinha. Tia Bete é médica e pode me dar o que quiser. É um saco não ter madrinha nem padrinho. Meu Pai me disse que meu padrinho trabalha na Petrobrás, disse que é bom emprego. Mas aquele besta quase nunca me visita. Não sei porque Meu Pai me deu um padrinho como aquele. Se ele vier com aquela mãozinha querendo que eu peça a benção, eu viro a cara e saio correndo... ah, se saio. Minha Mãe vai me bater, mas eu não vou pedir a benção. Não vou. Quando perguntar o porquê, vou dizer que é porque ele não gosta de mim. Não me visita e só faz me perguntar se tiro nota boa e se vou passar de ano. Deus me perdoe, mas ele também é um besta.”

(...)

- Marquinhos, vamos comprar comida comigo. Troque de camisa.
- Já tô indo, Minha Mãe.
- Agora, viu?
“Minha Mãe tem que comprar comida todo dia. Trabalha com Meu Pai. Quando ele não está bêbado, até que a gente come no horário. Ele dá dinheiro pra ela. Quando eu casar com a pró Lílian não vou fazer assim... não tá certo”.
- Vamos, segure a sacola! Porque tá assim... tão quieto? Aprontou alguma por aí não foi?
- Ihhhh, Minha mãe.
- Deixe de coisa, menino.
“Gosto quando Minha Mãe faz bolinho de feijão e farinha: ela senta no sofá e divide a comida comigo, a Marta e a Mônica. Tomara que hoje ela faça isso. Fico triste e com vergonha porque eles não têm dinheiro para fazer a compra todo mês como Vó Jurema faz. Mas, mesmo assim, tenho orgulho de Minha Mãe”.

(...)

E lá se foram Teresa e seu filho para as compras "do dia". Já passava do meio-dia. Na volta, a mãe de Marquinhos parou com ele na lojinha de Dona Marisete.
- Tudo bem, Marisete. Quero um carrinho bem bonito pro Marquinhos – diz
Tereza. Enquanto fala, pisca pro filho e aperta a sua mão.
Dona Marisete põe no balcão um trenzinho à pilha hiper moderno e um carrinho de plástico com dois bonequinhos à la playmobil.
- Escolhe filho!
- Quanto custa esse trenzinho, heim?
- Vinte reais, Marquinhos. – disse Dona Marisete – É lindo, não é?
- É... e o carrinho?
- O carrinho custa seis reais.

“Nossa... e agora, qual eu vou escolher? Acho que vou levar o trenzinho. Nunca tive um brinquedo a pilha. O Pedrinho vai babar quando ver: - olha Pedro Bó meu brinquedo novo. Hehe. Mas é tão caro... Não, vou levar o carrinho. É maior e além disso custa menos... Mas o trem é tão bonito... Parece ser pesado. Se bem que eu vou querer desmontar. Eu desmonto todos os meus brinquedos. Minha mãe vai gastar uma grana com ele e eu vou quebrar. Não, não, vou levar o carrinho. Posso brincar à vontade com ele e com o dinheiro minha mãe não fica apertada.”
- Eu quero o carrinho – disse Marquinhos.
- Por que não quer o trem? – perguntou-lhe Teresa.
- Porque não dá sair correndo com ele.

Teresa sorriu. Dona Marisete sorriu. E Marquinhos correu pra pôr uma corda no carrinho e mostrar seu novo brinquedo para Pedrinho "Pedro Bó". "Acabei de dar um presente pra minha mãe... hehe", pensou.

Nenhum comentário: