quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Filho da lua

Em homenagem aos enluarados, lunáticos e àqueles que nasceram com o cu virado pra ela. Também aos românticos loucos, desvairados, limpos e pirados que pensam que o outro é o paraíso.

Não está sentindo?
Não?
Pois então venha ver, por favor...
Venha, deixe de preguiça.
Ela está me observando...
Olhe como ela está lá, parada, quieta, silenciosa, só aguardando a minha presença. Tem dias que ela só faz isso: espiar, mas hoje é um grande olho no céu. São nesses dias que ela quer me ver inteiro, quer me encontrar, e eu sinto isso. Sei também que me acompanha a todo o momento, mesmo de dia e isso é grandioso, não percebe?

Veja como eu faço: primeiro, fico aqui atrás dessa cortina daqui da sala e olho meio escondido para ela, porque tenho que ir me mostrando aos poucos, sabe? e, ao mesmo tempo, tomar coragem. Gosto dessas cortinas transparentes porque quando passo por elas parece que estou rompendo com algo, nascendo de novo. Acho que de mim mesmo. Depois, separo as partes do pano com as mãos na altura da cintura e vou abrindo, dou mais um passo e então eu fico completamente iluminado. A cabeça é a última a sair. Pronto! Ah, como é bom abrir os braços, fechar os olhos e senti-la brilhante. Sim, sim, é isso! Abro os olhos devagar e a vejo de frente.
Venha ver como ela se mostra, chegue aqui até a varanda...
Não fique com timidez, venha aqui só dar uma espiada. Sei que você pode me ver por detrás dessa cortina, estou iluminado e é dia para mim, mas eu não posso te ver, aí dentro é muito escuro, e eu quero olhar seu rosto.
Que horas são? Onze horas? Parece dia, não? Agora, me diga: quem precisa de sol quando ela está conosco o tempo todo e aquele que habita nela nos protege em qualquer momento, ainda mais nos de desespero?
Não, não vá embora, fique comigo, espere!

Você é meu sol, sabia?
Me dê um beijo... preciso que você fique junto de mim, mais que isso... Queria tanto que você ficasse aqui comigo e sentisse o que eu sinto...
Pena que você prefira ficar aí, bebendo...
Mentira! Não é nada disso. Não é apenas “a lua”. Venha comigo que eu te ensino que não é só isso e, por favor, não fique falando que não vai ser possível. Respondo que é possível, sim, e não custa nada.
Repare bem: ouça o seu som; feche os olhos...
É tão profundo e claro, tão morno...
Por acaso, você gosta de calor? O quê? Adora!
Não, o calor é intranqüilo. Nunca percebeu que você sempre precisa de algo no calor? Água, carne, falta...
Veja como a noite está estrelada, parece uma reverência. Se lembra de sua mãe te embalando quando você era criança?
Não?

Quer descer um pouco e ir até aquele barco ali na praia? Venha, não vai lhe custar nada, vamos descer por essas escadas de pedra e andaremos pela areia descalços até o barco. Juntos.
Que bom que você vem comigo, normalmente venho aqui sozinho. Às vezes, choro na beira do mar pela minha alma, por isso que ela fica ansiosa ao me ver. A lua gosta disso, ela dá abrigo aos amantes, loucos e órfãos.
Suas mãos são tão macias e confiantes...
Chegamos ao nosso pequeno barco de madeira chamado Neil Armstrong.
Pronto, suba.
Não tenha medo...
Agora, vou remar só um pouco.
Calma... Só mais um pouco, é preciso.
Veja como está clara a lua. Toque no mar, sinta como a água é morna e as ondas nos embala. Agora, sinta a luz dela no mar, parece uma trilha...
Sei que não é dela.
Por favor, dê um tempo de si. Faça isso por mim e por você, ta legal?
Tão calma a noite, não acha? Agora, se lembra de sua mãe te embalando? Ela cantava alguma música para você? Feche os olhos, sinta a luz da lua e ouça o som do mar. Eu estarei aqui sempre com você... sempre. Não tenha medo.
Não! Eu não vou fazer nada, já disse.
Confie em mim.
Me beije.

Você cresceu demais, sabia? Agora feche os olhos novamente e sinta.
Calma... Respire fundo. Sinta o seu poder... Luz sem calor. Não é maravilhoso isso? O que você está vendo?
O mundo parece estar maior?
Mas, mesmo assim, você não consegue ver nada? Você viaja rápido, sabia?
Não, não estou brincando com você! Por favor, não quebre o encanto, relaxe, sinta a sua presença... o seu feitiço.
Quer ir para algum lugar? Faço o que você quiser. Sempre fiz, você sabe disso. Podemos seguir essa trilha.
A sua resposta é essa?
Quer morar lá?
Não me leve a mal, mas não podemos ir para lá. Ela está aqui, não se preocupe. Sinta o mar... Tão grande.
Veja! Não parece que ela desenhou um caminho para nós seguirmos?
Você está rindo, é?
Quer ir?
Não, não sou nenhum maluco. Sou seu filho. Sou um filho da lua, compreende?

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