terça-feira, 10 de agosto de 2004

O amor... Ah, o amor...

Ou Não é nada disso que eu vou falar. Ao contrário.

Embora eu não tenha acesso a todos as informações, para mim a principal explicação para o que aconteceu com o casal de namorados na Grécia é uma só: Paixão. Podem chamar como quiser: passion, neigung, passione, pasión, hartstocht*. A língua não importa. A questão, ou o caso, é que o sentimento, o estar apaixonado, é um dos maiores causadores de sofrimento da humanidade.

- Que absurdo! Como você pode dizer isso, seu insensível?
- Calma, Bete, vou explicar o porquê.


A paixão é, digamos, uma das dores do crescimento. Acredito que necessária. Afinal, quem nunca ficou perdidamente apaixonado? Se não, vai ficar, é uma maldição que acabo de jogar em quem estiver lendo isso. hehe. No entanto, embora a maioria das pessoas a tenha tido sem grandes problemas, algumas não conseguem aprender absolutamente nada com ela e não amadurecem suas emoções. Outro tantinho de gente perde completamente a cabeça. E fatalmente acaba perseguindo ou matando o objeto da paixão, às vezes a família do outro, se possível até o mundo... se o mundo interferir, é claro. Ou então, suicida-se. Ou faz as duas coisas e por aí vai, incluindo sofrer anos e anos seguidos atrás de algo que não existe. Os exemplos são cotidianos e é por isso que alguns especialistas começam a tratar a paixão como doença.

- E qual o gabarito que você tem para falar sobre isso.
- Bete... - Pacientemente e dando um risinho à la Roberto Carlos. - Já passei por isso, tá?
- Quer dizer que...
- Não, não e não. Evitei a tempo de. E eu era o outro da história... o objeto, entende?
- Não.


A mais nova tragédia grega me lembrou uma entrevista que li na revista IstoÉ, em 2000. (Sabia que aquele monte de papel, que eu chamo de arquivo, iria servir para alguma coisa). Na entrevista, um psiquiatra afirma que a paixão só traz infelicidade e defende que o problema deve ser tratado no divã. “A paixão é um arrebatamento, de mal conhecer o outro e já idolatrá-lo, sem limite, sem condição alguma. O outro pode ser de qualquer tipo, nível cultural ou social. Não é preciso conhecer sua vida, família. Amor à primeira vista é, na verdade, paixão amorosa à primeira vista. A paixão é solitária. Ela vem antes do outro”, diz.


Paixão é como um beijo de Rodin. Só acontece na sua imaginação

Um caso de paixão avassaladora se tornou um clássico da literatura mundial: Cartas Portuguesas. O livro é composto por cinco cartas escritas pela freira portuguesa, Mariana Alcoforado, para o conde de Chamilly, capitão do exército francês. A freira, depois de ter dados uns amassos com o conde, fica apaixonada, mas não é correspondida. “Do fundo do coração te agradeço o desespero que me causas, e detesto a tranqüilidade em que vivi antes de te conhecer”, diz em uma das cartas. “Antes quero sofrer ainda mais do que esquecer-te. (...) Sou mais feliz que tu, pois minha vida é mais plena”. Veja só a viagem...

Outro exemplo é Florentino Ariza, personagem do romance O Amor nos Tempos do Cólera, de Gabriel Garcia Marques, um dos meus escritores favoritos. Nele, Florentino apaixona-se, ainda na adolescência, por Fermina Daza. Ela, depois de sacar que ele não era o seu tipo, dá um pé em sua bunda, e se casa com Juvenal Urbino, o melhor partido da cidade. Florentino, contra todos os percalços que a vida e sua própria amada impunham contra ele, nunca desistia. Quando Juvenal morreu, Florentino foi novamente falar com Fermina: "Esperou cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias para lhe reiterar o juramento de fidelidade eterna e amor para todo o sempre em sua primeira noite de viúva". Já velhinha, Fermina cede. Bem... nem preciso dizer que a maioria dos meus amigos (amigas, principalmente!) são fãs de Florentino. Eu idolatro Fermina. É só ler que vão me entender.

E por que a paixão é doença? Bem, o psiquiatra afirma que a paixão não conta com o outro. O apaixonado idealiza uma pessoa violentamente e descobre uma vítima para moldá-la para aquilo que já está dentro de si. Não tem final feliz. “O amor pode terminar em amizade, a paixão não. O apaixonado passa a odiar, a desprezar o objeto da paixão. É o sentimento às avessas. (...) Termina em rancor, mágoa, vingança e às vezes morte”. Enfim...

Além disso, é bem verdade que o apaixonado é romanceado. E nossa cultura estimula isso. O apaixonado, porque sofre, produz: escreve cartas, compõe música, move montanhas, vira poeta (punheteiro... hehe!). E o outro? Aquele que “passas sem ver teu vigia, catando a poesia que entornas do chão*. O que deve fazer o sujeito das obras dos apaixonados? O psiquiatra diz que tem que ser claro com o outro quando não está interessado, o que Fermina decentemente fez. “Não mostrar desprezo ou brincadeira. E também não abusar da pessoa. Porque o que for pedido ela faz”, afirma.

- Foi isso que aconteceu?
- Mais ou menos.
- E você já se apaixonou?
- Já - Preocupado - Mas foi algo que aconteceu dentro dos padrões “normais”.
- E já se apaixonou de novo?
- Já me interessei em conhecer outras pessoas. Fico constantemente entusiasmado.
- ...
- Olha, Bete, é o seguinte: morrer de amor é algo que acontece apenas uma vez na vida. Depois, ninguém mais merece que você se mate. Tá?
- Insensível.


Sim, é evidente que a lembrança da paixão é boa, nostálgica...as loucuras nunca antes imaginadas, o mundo girando ao redor de seu amor infinito, etc. Mas, se você realmente se apaixonou, no mínimo, sofreu. Muito. Afinal, nessa salada de sensações, há uma boa dose de insegurança e autodesvalorização. Ou não?

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* Na ordem: Inglês, alemão, italiano, espanhol e holandês.
* Trecho da música As Vitrines, de Chico Buarque.
PS: Quem quiser ler a entrevista completa, o site da ISTOÉ não disponibiliza o link do arquivo. Então, tem que ir lá no site da revista e procurar o Ano 2000 (19/04/2000), edição 1595. O título é "Paixão é doença" e o psiquiatra é Rubens Coura. Deixe de preguiça e vá lá. Não paga nada. Por enquanto...Boa leitura.

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