quinta-feira, 28 de julho de 2005

Patriotada?

Pára tudo. Alguém pode me dizer o que é isso que está acontecendo? Não, eu não estou falando da novela Mensalão! Na verdade, estou é impressionado com o “evento” que se tornou a morte do mineiro Jean Charles, um cara que foi embora do Brasil em busca de uma vida mais digna, como muitos outros milhares de brasileiros (eu daqui a pouco), e foi morto por um vacilo da polícia britânica, uma das mais respeitadas do mundo, em um momento de exceção naquele país.


Poderia ter sido qualquer pessoa, de qualquer nacionalidade. Infelizmente, foi um brasileiro. Mas foi o bastante para que o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, fosse a Londres exigir (!?) explicações do governo britânico a respeito da operação. Foi o bastante para que a Prefeitura de Gonzaga (MG) decretasse feriado na cidade nesta sexta-feira, no dia do enterro do rapaz. Foi o bastante para que o povinho coitado, indignado, fosse para as ruas chorar a morte de um brasileiro por gente que provavelmente odeia brasileiros. O episódio foi uma verdadeira afronta da Grã-Bretanha ao Brasil, vejam só! Valha-me Deus! Hipocrisia. Essa gente não me comove.

É lamentável a tragédia que aconteceu com o mineiro. É justa a revolta de seus amigos. É compreensível que se fale em indenização e que se cobre uma resposta inequívoca da polícia britânica. Igualmente me solidarizo, por mais inútil que seja, com a família da vítima. Mas é engraçado como, por exemplo, morte no Rio ou qualquer outra cidade brasileira por bala perdida ou na troca de tiro entre traficantes já não escandalize mais ninguém.


Ontem mesmo saiu a notícia de que uma bala perdida atingiu o corpo de uma pessoa morta que estava sendo velada em um cemitério do Rio. Com medo de serem baleadas, as pessoas que estavam próximas se jogaram ao chão e ficaram deitadas por cerca de dez minutos. Estava acontecendo um tiroteio entre policiais e traficantes no morro de São Carlos. Obviamente, a família do morto não precisou chamar a polícia. Coisas de nosso cotidiano. Mas, fica a pergunta: que tal o governo brasileiro indenizar as milhares de vítimas anônimas que, todos os dias, ou são assassinadas pelas polícias brasileiras, sem nenhum controle, ou são mortas nos confrontos diários das gangues do narcotráfico. E também as famílias dos grupos de extermínio de EsseEsseÁ?

Jean é um entre milhares de brasileiros que deixaram este país em busca de oportunidade. Quem não tem algum amigo ou conhecido que já se aventurou nesta empreitada? Brasileiros que estão na Inglaterra ou no estrangeiro com ou sem visto (legais ou não) só estão fora de seu país porque, vivos, são mais bem tratados pelo governo de lá (e suas políticas públicas) do que pelo governo daqui. Mesmo agora, morto, Jean Charles e seus familiares estão merecendo das autoridades daquele país um tratamento que os nossos cadáveres e seus parentes jamais tiveram.

Atualização 29/05, às 09h

Ontem, conversando com um amigo sobre o episódio Jean Charles, ele me disse que minhas colocações são típidas de faconianos, individualistas, pragmáticas, intelectualóides. Que eu não tinha noção de antropologia nem de relativismo para perceber que essas manifestações são uma espécie de catarse, um ritual necessário ao ser humano para que este se sinta parte de uma comunidade, um ato simbólico. Que polícia nenhuma deve ser respeitada porque polícia é polícia em qualquer lugar. Contra argumentei dizendo que isso é um espetáculo, tão comovente quanto a vitória de Jean, o Willys, no Big Brother, quando milhares de pessoas de Alagoinhas foram festejá-lo em praça pública como a um herói. Ele disse que o meu discurso não era humanista, que eu não me colocava na pele da mãe dele. Como não? Eu fico sempre pensando "e se fosse um amigo, parente meu?". O Jornal da Globo de ontem, que iniciou vendendo TV´s de plasma, exibiu uma matéria comovente onde uma repórter entrevistava mães de outras cidades que foram até Gonzaga para chorar o morto. Por quê? Porque tinham filhos no exterior e temiam pela vida deles. Uma disse "eu tenho dois filhos nos Estados Unidos e na Carolina do Norte (!?)", outra "eu tenho um marido e um filho nos Estados Unidos", outra "eu tenho um filho e um neto nos EUA"... assim mesmo, em filinha. A repórter foi passando de uma em uma. Deu a entender que os parentes delas correm perigo de vida, que a qualquer instante a polícia atiraria a queima roupa neles. Essa catarse do meu amigo, agora digo eu, faz com que elas se esqueçam que vivem num país violento que, se você não morre atropelado, morre de bala perdida ou na fila de algum hospital público ou na maca de algum hospital particular caso o plano não pague o tratamento. Enfim, tudo muito humano.

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