terça-feira, 17 de maio de 2005

Santa Súbita

Vou começar este texto com uma pergunta: Você acha que tudo neste mundo é relativo? Sim? Não? Depende? Eu, particularmente, acho que sim. Embora tenha clareza meridional (adoro este termo!) de que as palavras tudo, nada, sempre e nunca são muito perigosas. Ameaçam fatalmente do cóccix até o pescoço aquele que se atreve a pronunciá-las. Mas uma coisa é certa: quando alguém, neste mundo democrático de Deus, lhe disser enfaticamente “não pode”, “não faça”, “não entre”, porque é lei, porque está escrito assim e assado, e todos, absolutamente todos, sem exceção, devem seguir a lei e as regras, isso significa simplesmente que Você, reles mortal, sem nenhum relacionamento nem conhecimento de alguém poderoso e/ou influente, deve obedecer. Sabe aquele mantra materno: “Faça o que eu mando, não faça o que eu faço”. Pois é.

É aquela coisa: para uns a barreira; para outros, a facilidade. É injusto? É. Mas é a realidade e a Justiça, pelo que vemos, é relativa. Ou não é? Algum Candido aí? Sexta-feira, 13, o papa Bento 16 anunciou o início do processo de beatificação de seu antecessor, João Paulo 2º, que morreu no dia 2 de abril, aos 84 anos. Segundo o direito canônico, o processo de beatificação de qualquer pessoa deve ser iniciado após o prazo de cinco anos após a sua morte. Só que Bento 16 (Vaticano) deu um jeitinho de passar por cima da exigência e acelerou o processo de beatificação de João de Deus, cujo corpo ainda não esfriou (nem os ânimos, diga-se). A decisão, naturalmente, foi bem recebida pelo clero e pelos fiéis católicos.

Irmã Dulce e seus "filhos"

A beatificação é a etapa que precede a canonização e deve incluir a prova dos milagres feitos pelo beato antes ou depois de sua morte. Várias pessoas estão aparecendo dizendo que testemunham curas milagrosas atribuídas a João Paulo 2º. Ouvi ou li em algum lugar que teve gente que se disse curada ao ver o papa pela televisão! Da mesma maneira, várias pessoas já apareceram dizendo a mesma coisa com relação à Irmã Dulce, cujo processo está emperrado no Vaticano desde 2001. Está na fase do A Positio. Irmã Dulce, chamada carinhosamente de “O anjo bom do Brasil”, morreu em 1992. Considero Maria Rita Lopes Pontes, essa sim, uma referência de amor ao próximo, de dedicação e respeito integral ao outro.

Nascida em EsseEsseÁ em 26 de maio de 1914, aos 13 anos, ela, ainda pirralha, transformou a casa da família num centro de atendimento a pessoas carentes. Imaginem a cena! Depois de ordenada freira, aos 20 anos começou a dar assistência à comunidade pobre de Alagados (vocês devem conhecer por causa das palafitas) e de Itapagipe, região pobre onde fica a badalada Igreja do Bonfim. No final da década de 30, Irmã Dulce invadiu cinco casas na Cidade Baixa para abrigar doentes que recolhia nas ruas. Expulsa do lugar pelo poder público (aquele mesmo que anos mais tarde vai ajudá-la e colar nela feito sanguessuga), ela peregrinou durante uma década, levando os seus doentes por vários lugares, até, por fim, instalá-los em um galinheiro do Convento Santo Antônio, que improvisou em albergue e que deu origem ao Hospital Santo Antonio. O hospital foi o embrião daquilo que se transformaria na maior unidade filantrópica de saúde do Norte e Nordeste.

Com madre Tereza de Calcutá e João Paulo II, já debilitada

Só para vocês terem uma idéia, porque só vendo pra crer, as Obras Sociais de Irmã Dulce são responsáveis pelo maior volume de atendimentos feitos na Bahia. Por ano, são realizados mais de dois milhões. Todos de graça. Dá pra sacar que é a última porta para os necessitados. E é mesmo. A galera pobre não tem para onde ir aqui na Bahia, se quiser um atendimento de qualidade. Trabalham na instituição 1.700 profissionais, 400 médicos e cerca de 300 voluntários. E como vive a OSID? De parceriais com instituições, órgãos e empresas de diversos segmentos, que ajudam por meio de convênios, patrocínio de projetos, divulgação, apoio diversos e doações. No último dia 03 de maio, a OSID ganhou o Prêmio Bem Eficiente da Kanitz & Associados. Foi a única instituição baiana e uma das duas únicas do Norte-Nordeste premiadas com o prêmio, outorgado anualmente às 50 entidades beneficentes mais bem administradas do país.

Além do atendimento a saúde, as obras têm atuação também nas áreas de assistência social e educação. São ao todo 13 núcleos. Se destacam o Hospital da Criança (Inaugurado em dezembro de 2000, tornou-se referência pelo serviço do Centro de Atenção às Vítimas de Maus Tratos), o Centro Geriátrico (Referência do Ministério da Saúde no atendimento ao idoso), o Centro Médico e Social Augusto Lopes Pontes (que atende a indigentes e moradores de rua) e o Centro Educacional Santo Antônio. Nas suas dependências, 600 crianças de 1ª a 8ª série são atendidas em regime integral. Na escola, tudo é gratuito: alimentação, uniforme, material didático, assistência odontológica e programa de esportes. Se quiser saber mais, clique aqui.

O adeus à Irma Dulce nas ruas de Salvador

Mas não é só isso. Na OSID está o Memorial de Irmã Dulce (MID), uma exposição permanente que tem a função de guardar o legado da freira. Inaugurado em 1993, um ano após sua morte, o núcleo recebe cerca de 20 mil visitas anuais. Lá, estão guardados o hábito usado por ela, fotografias, documentos e objetos pessoais. Nele ainda é preservado intacto o quarto de Irmã Dulce, onde está a cadeira na qual ela dormiu por mais de trinta anos por conta de uma promessa. É impressionante a cena. Todos os dias tem gente fazendo fila para visitar o Memorial, que se transformou em local de peregrinação. A prefeitura de EsseEsseÁ deseja incluir a capital baiana no roteiro do turismo religioso.

O Brasil, país com maior número de católicos no mundo, não tem nenhum santo. Não que eu ache isso importante. Não acho. Até porque o processo para as vias de fato no Vaticano é bastante caro. Bem mais caro que a missa de domingo da paróquia. Se o processo andar um pouco mais rápido, Irmã Dulce pode vir a ser a primeira santa com nacionalidade brasileira. Madre Paulina, canonizada em 2003, era italiana de nascimento. É aquela coisa: para uns boa vontade. Para outros, as leis e regras devem ser cumpridas.
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