terça-feira, 10 de maio de 2005

Palavras ao vento

Enfim, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos teve a sensatez de retirar de circulação e engavetar (espero que para sempre), na semana passada, a cartilha de palavras, segundo ela, politicamente corretas. O órgão esperava que, com esse índex de palavras e expressões a serem evitadas, o brasileiro se tornaria um exemplo de civilidade. O livro reunia 96 palavras, expressões e piadas consideradas pejorativas e discriminatórias contra mulheres, negros, homossexuais e portadores de deficiência física, entre outros grupos sociais.

Termos como sapatão, veado (que na verdade é viado, de desviado! oh, ceús!!), turco, barbeiro, beata, palhaço, baianada, baitola e louco deveriam ser evitados por formadores de opinião e mídia no dia a dia. O livro condena também expressões como ‘‘mulher no volante, perigo constante’’, ‘‘preto de alma branca’’, ‘‘a coisa ficou preta’’ e ‘‘farinha do mesmo saco’’. Até funcionário público entrou na jogada. O nome correto é servidor público, senão soa agressivo. Entenderam?

- Mas como ninguém quer sentar o traseiro na cadeira e decorar 96 palavras?

Além da perda de tempo, desperdício de dinheiro, brainstorm de mentes opacas, manifestação de ânimo autoritário, macaquice de imitação, a maior impropriedade dessa ação talvez seja ter sido feita exatamente no governo de um presidente que é um monumento ao politicamente incorreto. O presidente Lula é uma máquina de falar besteira. Dora Kramer fez uma lista com alguns dos hits inesquecíveis de gafes do presidente nestes últimos dois anos. É de chorar... E o que é Severino Cavalcanti, heim, minha gente?

Como bem disse o jornalistaZuenir Ventura, o governo desconheceu o fato de que as palavras têm história, contexto, dimensão afetiva e que ao longo da vida se transformam, mudam de sentido e são capazes até de perder uma carga originalmente ofensiva para adquirir outra contrária. A publicação com expressões consideradas pejorativas foi duramente criticada por intelectuais, sendo o escritor João Ubaldo Ribeiro o mais enfático deles.Não podemos aceitar esse delírio totalitário, autoritário, preconceituoso (ele, sim), asnático, deletério e potencialmente destrutivo -- e, o que é pior, custeado com o nosso dinheiro. Que está acontecendo neste país? Aonde vamos, nesse passo? Quanto tempo falta para que os burocratas desocupados que incham a máquina governamental regulem nossa conduta sexual doméstica ou nosso uso de instalações sanitárias?”, disse. Tutty Vasques diz que as pessoas não compreenderam as palavras do baiano.

Do jeito que as coisas vão, não dá nem para defender o governo. Eu mesmo já joguei a toalha. Mas, para não perder o gancho, listo algumas palavras usadas no dia a dia que Deus dá convertidas para a linguagem politicamente correta. Muitas definições são adaptadas do “Dicionário do Politicamente Correto”, de Henry Beard e Christopher Cerf, da L&PM Editores. Algumas são hilárias.

ANÃO (serve também para “baixinho” ou “tampinha”) – Palavra claramente pejorativa. Melhor dizer pessoa verticalmente prejudicada; também são aceitáveis pessoa verticalmente desavantajada ou verticalmente comprimida.
CARECA - Expressão humilhante, particulamente quando usada como ponto de referência (como em “fale com a pessoa ao lado daquele careca ali”). Dizer, em vez disso: pessoa com proposta capilar alternativa; pessoa capilarmente desavantajada; portador de um tipo especial de organização capilar (não serve para marchinhas de carnaval: os tradutores do livro citado sugerem, por exemplo, cantar “é dos que têm proposta capilar alternativa que elas gostam mais!”. Não funciona, vocês não acham?)
CABEÇA-DE-VENTO - Expressão destruidora da auto-estima das pessoas. Substituir por indivíduo cérebro-atmosférico.
CD PIRATA – Expressão muito crua. Em Salvador, um vendedor de CDs copiados anuncia pelos bares o “genérico da música”. E explica: custa mais barato e tem o mesmo efeito.
DESEMPREGADO - Não-assalariado, pessoa que goza de lazer involuntário, indefinidamente inativo, temporariamente deslocado do mercado de trabalho, privado de vocação, em transição entre carreiras.
FEIO – Palavra agressiva. O recomendável, para preservar a auto-estima dos assim designados, é chamá-los de cosmeticamente diferentes. A história infantil famosa, em versão politicamente correta, deveria ser “O Patinho Cosmeticamente Diferente”, lembram os autores.
GORDO – Também é agressiva. Melhor dizer pessoa de porte avantajado ou horizontalmente avantajada; pessoa de substância. No Norte-Nordeste do Brasil, usa-se dizer que uma pessoa de porte avantajado é “forte”, o que denota uma sensibiidade altamente desenvolvida para a correção política: transforma-se uma característica potencialmente negativa e danificadora da auto-estima num traço positivo.
MUDO – Indivíduo vocalmente desafortunado, ou oralmente prejudicado.
MORTO – Pessoa terminalmente prejudicada. Pessoa não-viva.
PESCA – Atividade criminosa que resulta na opressão e/ou extinção genocida das criaturas ictio-americanas. Criaturas ictio-americanas é o nome politicamente correto dos peixes que vivem em águas do continente americano (esta é uma obra-prima; Romário e a torcida do Santos precisam saber disso).
SURUBA – Poligamia consensual.
VELHO – Maduro, experiente; cronologicamente abastado.

...E por aí vai. Não há limites. Quando a gente começa a prestar atenção, descobre que toda a nossa linguagem está contaminada pelo preconceito. Quem tiver mais exemplos, que mande para o governo. Assim, vamos ajudá-lo a resolver todos os problemas do país mudando as palavras que os nomeiam. Correção política na linguagem é isso.
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Um comentário:

Anônimo disse...

é muito tempo ocioso, mal utilizado. quanta criatividade