segunda-feira, 9 de maio de 2005

Em nome de Deus

Ou: O elfo Legolas faz tipo na Idade Média

Tá bem... admito que eu sou do tipo de pessoa que gosta de filmes épicos, daqueles bem “sandália e areia” mesmo. Por isso que no último sábado fui assistir ao filme Cruzada (Kingdom of heaven), dirigido por Ridley Scott, e, posso dizer, saí de lá sem mal dizer nem praguejar ninguém. Até os adolescentes se comportaram como há muito tempo eu não via. E cá pra nós: depois de filmes como Tróia e Alexandre, que estragaram idéias que poderiam se transformar em filmes interessantes, Cruzada é uma película competente, com tomadas elegantes. Se não é genial, também não é nenhuma bomba.

Legolas na Idade Média

O filme é uma daquelas fitas americanas que ganha matéria em todas as revistas e jornais e tomam mais de 50% das salas de cinema de qualquer cidade. Ou seja: tem muita grana envolvida. Mas isso as outras também tiveram. A diferença é que Cruzada foi bem dirigida e conta com um tema que eu “adoro”, como já puderam notar: Igreja.

A fita é estrelada pelo elfo Orlando Bloom, o Legolas de Senhor dos Anéis. Ele está fantasiado de habitante da Idade das Trevas, ops!, Idade Média, época em que a Igreja (ou aqueles que a formava) decidia quem iria para o Reino dos Céus ou, então, queimar no Inferno eternamente. Por causa desse poder e “Em nome de Deus”, ela instigou as Cruzadas, movimento militar católico que partiu de cidades européias em direção as terras santas (Constantinopla e Jerusalém), então sob domínio muçulmano. Essas ações produziram durante séculos massacres de civis, sempre justificados como sendo vontade de Deus. “Matar os infiéis em nome de Deus não é pecado, mas caminho para a salvação”, diz um padre aos cruzados no filme.

Scott está sendo questionado pela mídia sobre a forma como abordou católicos e muçulmanos no filme. Alguém desavisado pode fazer um parelalo com os dias atuais. Por que? Porque alguns personagens muçulmanos, como Saladino, por exemplo, que vai retomar Jerusalém dos católicos, saem engrandecidos no filme. Isso é raro em produções hollywoodianas. Cruzadas prega ainda que a diplomacia ainda é a melhor estratégia para os seculares conflitos do Oriente Médio. Outro discurso que não combina em nada com os dias atuais.

De acordo com a revista Época, Scott enfrentou a pressão da Fox, um dos braços do conglomerado controlado pelo magnata australiano da mídia Rupert Murdoch, grande aliado do governo Bush. Para quem não lembra, o presidente americano, após os atentados de 11 de setembro, disse que iria fazer uma Cruzada contra os terroristas. Teve que se desculpar depois.

Rei Balduíno: um luxo de fantasia

Além disso, para Scott o filme não é sobre guerra ao terror, como muita gente está supondo. "O filme é mais sobre manter a paz do que sobre fazer a guerra, é o oposto, fala de compreensão entre as pessoas", disse em entrevista à Folha. O engraçado é que o ótimo ator que faz Saladino, Ghassan Massoud, não esteve entre os que falaram à imprensa durante o lançamento do filme em Los Angeles. Sírio, Massoud teve seu visto de entrada negado pelos Estados Unidos, por ter nascido num dos países apontados pelo Departamento de Estado norte-americano como abrigo de terroristas.

Enfim, tanto a questão expansionista embutida nas Cruzadas quanto a luta pela terra ou contra o terror precisam de algum argumento. Sem dúvida, Deus é o melhor deles. E, ah, eu não poderia deixar de escrever isso. Legolas não fala muito: em 2h30 de filme, diz umas 20 frases, se eu não estiver enganado. Ridley Scott sabe o que faz.
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