quinta-feira, 17 de fevereiro de 2005

Jenifer & Eleonora

Ao contrário das personagens Eleonora (Mylla Christie) e Jenifer (Bárbara Borges), que vivem um romance homossexual na novela Senhora do Destino da Rede Globo e conseguiram não ser rejeitadas pelo público do folhetim, a realidade nossa de cada dia consegue ser mais pródiga e menos condescendente com essas situações. Ainda.

Terminou de forma melancólica o caso das “amigas” paulistas que fugiram para EsseEsseÁ com o objetivo de tentar uma “vida nova”. C.C.W, 28 anos, formada em arquitetura e estudante do 6º semestre de Medicina, e M.A.C, 39 anos, foram localizadas, na madrugada de sábado, 12, pelos pais da primeira. Eles, com a ajuda da polícia, a levaram de volta para EssePê. Só para constar: os policiais entraram no hotel sem autorização judicial, dizendo ser a ação comum na cidade por causa do Carnaval.

Desesperada e sem notícias de C. desde então, M. procurou o Grupo Gay da Bahia (GGB) e pediu ajuda. “Ela pode estar presa, em cárcere privado, isolada do mundo, querendo falar. Por isso vou fazer de tudo o que puder para preservar a integridade física dela”, disse. Na quarta-feira, o caso veio a público e ganhou destaque na capa do jornal A TARDE, com a chamada: “Mulher luta para recuperar namorada”. Bem singelo.

- Não exagera. É de brincadeirinha, heim, Mylla!

M. e C. se conheceram há nove meses por intermédio de amigos comuns. Em dezembro, deram início ao namoro. No início de janeiro, a arquiteta aceitou o convite de M. para sair de EssePê e tentar uma nova vida em outro local. Primeiro foram para Porto Alegre, depois EsseEsseÁ. Os pais de C., médicos, ao saberem do paradeiro da filha, apresentaram na delegacia um relatório atestando que ela passa por “problemas de saúde” que requerem “cuidados médicos”. No boletim de ocorrência, também acusam M. de se aproveitar da situação de C. para fazê-la usar o cartão de crédito da família, no qual é dependente, para continuar fugindo. O gasto já estava em torno de R$ 5 mil. Foi, inclusive, por meio do cartão de crédito que os pais conseguiram rastrear os passos da filha e localizá-la.

O GGB “entendeu” que tal relatório, emitido por uma clínica particular localizada em Marília, EssePê, não tem validade. "Entendeu" também que a debilidade da saúde de C. é uma farsa forjada pela família para impedir o relacionamento das duas, demonstrando claramente discriminação sexual. Foi o gancho para Luis Mott, coordenador do GGB, considerar a família da arquiteta lesbofóbica (aversão a lésbicas). Mott acusou ainda a delegada de ser conivente com a situação, desrespeitando o direito humano da liberdade de dispor sobre seu próprio corpo. Ele disse: “A união da família e da polícia mostra o quanto os homossexuais são reféns do patriarcado familista, que é um conceito sociológico, onde família tem pátrio poder sobre seus filhos homossexuais”. Enfim...

Quando foi hoje, vem a notícia de que a arquiteta quis deixar a namorada e não foi levada a força pelos pais. “Nunca estive tão bem como estou agora”, disse C. em carta enviada ao jornal e ao GGB. “Que fique bem claro que não escrevi esse e-mail sob pressão. Escrevi apenas por achar necessário declarar que estou bem e para que parem de escrever mentiras em sites e jornais”. Sei...sei... Ela disse também que não foi retirada à força da capital baiana e que voltou para casa por livre e espontânea vontade. Tá... tá... Mas, aí, eu fiquei encucado: Se C. voltou pra casa por livre e espontânea vontade, por que ela ficou perambulando com a outra pelo país? Estava brincando de esconde-esconde com os pais por acaso?

M. não se conforma com a situação. “Como uma pessoa formada em Arquitetura e no sexto ano de medicina pode ser considerada incapaz?”, lamentava na delegacia. E o caso ficou por isso mesmo, sem o final feliz de Senhora do Destino.

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