quarta-feira, 8 de junho de 2005

Ohhhhhhh! Ahhhhhhh! Arrasô!

Ou: Coisa nossa, muito nossa...
Ou: Farofa no paraíso.

Servidos com champagne Veuve Clicquot (a garrafa mais barata, de 375 ml, custa R$ 190, em média), canapés de salmão, lichias recheadas, morangos com chantili, minissanduíches e torradas com fois grais, a elite brasileira esteve reunida no último sábado para prestigiar a megainauguração da Villa Daslu, uma espécie de shopping center de artigos de luxo localizada em EssePê. A grande imprensa, claro, deu mais destaque ao evento do que, por exemplo, à aceleração do desmatamento na Amazônia, o maior das últimas décadas. Mas não vamos nos ater a pequenos detalhes, não é mesmo?

Villa Daslu em prédio de estilo neoclássico e Eliana: - Não tenho culpa de ser rica. Corte os pulsos, meu bem!

Nossa elite foi conferir de perto a mudança não só de endereço, mas de tamanho, da boutique comandada pela empresária Eliana Tranchesi, que deixou a Vila Nova Conceição, onde esteve instalada nos últimos 47 anos, para a Vila Olímpia, às margens do nada agradável e poluído rio Pinheiros. Agora a Daslu é um prédio de quatro andares em estilo neoclássico.

Uma orquestra afinadíssima recebeu os convidados na entrada do imponente edifício de 17 mil metros quadrados. Foi um deslumbre total. Os incluídos ficaram em êxtase com a criação de um local tão exclusivo e cheio de roupas e objetos sofisticados e internacionais. Muito luxo e glamour e, o top dos tops, sem a presença de gente pobre (classe média sem noção incluída) do lado pra atrapalhar a visão do paraíso. Foi uma infinidade de "Ahs", “Ohs” e "Uhs" seguidos de beijos e abraços apertados. Dá pra imaginar, não? Afinal, todos os ricos são íntimos e se conhecem.

Manequins da Daslu. "Como eu sou fodona", diz a primeira. "Meu nego, isso é pra ontem", grita a outra

Aliás, tamanho evento não poderia passar em nuvens eurodescendentes. O empreendimento reúne as marcas mais chiques do planeta! É possível experimentar Chanel (seu maior endereço na América Latina), Louis Vuitton (sua única global store latino-americana), Prada, Burberry, Tod’s, Gap, Banana Republic, sapatos de Manolo Blahnik e jóias Chopard, Dolce & Gabbana, Gucci, Valentino, Salvatore Ferragamo, Jimmy Choo, Fendi, Christian Dior, Chloé, Giorgio Armani, Ermenegildo Zegna, Hugo Boss, Blumarine e Sergio Rossi. Ao todo são 120 marcas e variados serviços. Coisa de gente très chic.

De acordo com o Alcino Leite Neto, um site calculou que a soma da renda mensal de todas as famílias da favela Coliseu (!?), localizada não muito longe da nova Daslu, que é de R$ 10.725, segundo o IBGE, daria para comprar apenas duas calças Dolce & Gabbana na loja. Só para não esquecer desse pequeno transtorno, segundo dados do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o Brasil fica atrás apenas de países africanos, como Namíbia, Lesoto e Serra Leoa, em relação à concentração de renda. Enquanto os 10% mais ricos no país ficam com 46,7% da renda, os 10% mais pobres se sustentam com apenas 0,5%. Não era nem para eu colocar isso, mas, vá lá!, pelo menos 57 milhões de brasileiros vivem com menos de meio salário mínimo. Enfim...

Muito flash e glamour: "Oh", "Ah", "Poderosa", "Arrasô", "Tudo", dizem os seletos convidados

E, como este país não é sério e não deixa nem os ricos se divertirem em paz, dois dias antes da inauguração da Villa, um caminhão com peças da marca inglesa Burberry foi interceptado por uma quadrilha quando ia do aeroporto para a loja. A carga estava avaliada em mais de R$ 1 milhão. Todo mundo já estava achando que dali para a inauguração o capeta iria comer farofa, assoviar e sambar ao mesmo tempo. Mas, para alívio de todos, a mercadoria foi recuperada: a quadrilha foi presa e os integrantes disseram que não venderam porque não conseguiram compradores para as caríssimas peças, exclusivas e de venda apenas na loja Daslu no Brasil. De acordo com a polícia, a quadrilha tinha em vista, na verdade, um carregamento de tênis, mas se enganou e roubou o caminhão errado. Como Deus é bom...

Foram 11 meses de trabalho duro. Eliana confessou à revista Veja que engordou 16 quilos desde o início da construção da nova loja, em maio do ano passado. Que crueldade. Calcula-se que o edifício tenha custado R$ 70 milhões e a decoração do prédio mais R$ 50 milhões. Espero que o Fisco esteja de olho nisso, heim? Os empresários estão esperando um aumento de 30% de visitas diárias. O tempo médio de permanência na loja deve subir para cerca de seis horas. Afinal, lá também a nossa elite encontra decoração, cultura, imóveis, automóveis e itens que transmitem os valores de quem faz parte do clube privado da marca Daslu e pode bancar tantas regalias. Hoje, o segmento de luxo movimenta cerca de US$ 2,2 bilhões anuais no Brasil, 75% desse valor em EssePê.

Peça da Gucci: Troca em até 30 dias depois da compra, tá?.

As regalias incluem esteiras que levam as sacolas de compras até o carro, serviço de alfaiataria com acabamento italiano, 72 caixas, 22 elevadores, doze escadas rolantes e quatro carrinhos de golfe. Se entre uma comprinha e outra bater aquela vontade de adquirir uma luxuosa mansão na Califórnia, está lá: corner da imobiliária Coelho da Fonseca comercializa imóveis de luxo no Brasil e no exterior. E se resolver esquiar, uma agência de turismo Ski Brasil, especializada em destinos com neve. No terraço, tem um espaço para festas (80 000 reais o evento) e desfiles e um heliponto com sala de espera para clientes apressadinhos.

Agora, para os absurdinhos de São Paulo uma informação: só entra quem tem o cartãozinho vip, heim? Nada de ir lá pagar uma de cliente à passeio. Mas não minto que estou ansioso para ver fotinhas em flogs e blogs, como já estou cansado de acompanhar no Shopping Iguatemi e na Oscar.

Enfim... Ao visitar a loja mais luxuosa do Brasil como convidada, uma jornalista do site AOL disse: “Ao terminar o passeio (comandado por uma dasluzete), eu não sabia se havia feito um tour ou um rali, tamanho o cansaço. Conclusão? As imagens que ficaram na minha cabeça após caminhar pelos quatro andares do prédio foram as de plantas de plástico, pilastras de mármore, sorrisos ansiosos e gritos”. Pobre é fogo, não?

Convidados especiais, ACM e "cachorro": "- Au, procês. Sai daqui cambada!", late

Mas, como tudo tem que acontecer no Brasil, no dia seguinte ao da inauguração, saiu a notícia mórbida de que os garçons que trabalharam no evento de inauguração da nova loja procuraram um ambulatório de um hospital com sintomas de intoxicação alimentar. No total, 15 pessoas apresentaram mal-estar. Três delas precisaram tomar soro. Há suspeitas de que o almoço servido a eles - arroz, feijão, carne e farofa - tenha sido a fonte da intoxicação. Como diria Ary Barroso: “Coisa nossa... muito nossa”.
.

Nenhum comentário: