quinta-feira, 7 de abril de 2005

O papa e o pop

Ou: Marcha do adeus

Eu até que tentei me controlar para não falar muita coisa sobre a morte de João Paulo II e do processo de escolha do novo papa. Queria apenas assistir de camarote. Mas é tanta comoção, dor, sofrimento, sacrifício, perseverança e, por que não?, apostas que a imprensa noticia a todo momento, que não dá pra ficar quieto. Se é difícil definir ou entender o momento histórico em que vivemos - já que não há o distanciamento necessário para qualquer análise - pelo menos dá para se destacar uma característica muito evidente dele: o espetáculo estéril, o simulacro.

- Ai, só mais uma fotinha!

Era evidente que a morte de João Paulo II seria um mega evento, comparado em comoção e cobertura (pelo menos em registro) à morte da princesa Diana e aos atentados de 11 de Setembro nos Estados Unidos. Mas há uma tendência da mídia, em especial das televisões, e também do Vaticano, por que não?, em mostrar mais as pessoas aos prantos ou se jogando umas nos braços das outras do que pessoas em pé tranqüilamente em uma fila de espera em silêncio. Isso não quer dizer que o evento seja fabricado. O fato é que o primeiro aspecto é apenas mais fotogênico e como diria Gisele Bundchen, business. A mídia tem hoje o poder de sustentar um clima de histeria coletiva e fabricar a imagem de um mundo mergulhado no pesar como nunca foi possível em outra época.

- Olha, se Jesus Cristo aparecer, não sei se vou aguentar!

Se Jean Wyllys, vencedor do Big Brother Brasil 5 da Rede Globo, teve uma recepção apoteótica no aeroporto de EsseEsseÁ e levou mais de 30 mil pessoas (alienadas) ao centro de Alagoinhas num quadro de comoção popular nunca antes visto naquelas terras, o que dizer da autoridade máxima da Igreja Católica, uma instituição milenar com milhões de seguidores no mundo e que há um pouco mais de 500 anos era a mais poderosa organização da face da terra. Precisa? Ainda mais sendo um personagem popular, chamado no Brasil por João de Deus. Resultado: milhares de fiéis estão participando da marcha do adeus ao papa na Cidade do Vaticano.

Guilherme Fiúza, colaborador de No mínimo, no texto “O papa empalhado”, faz uma análise interessante da veneração ao corpo morto do papa, “carregado para lá e para cá no meio da multidão como um Quincas Berro D´Água”. Diz ele: “Se os fiéis que entopem os funerais do papa declaram sentir-se, diante de sua figura mumificada, como se estivessem na presença de Deus, é preciso parar tudo e mandar todo mundo de volta à primeira comunhão. Lição número um: Deus é espírito. (...) O desfile do papa morto pode até fazer algum sentido para os ateus e os materialistas. Desmistificação da santidade, curiosidade mórbida, essas coisas. Mas o mortal que tem alguma presunção de espiritualidade na carcaça deveria tratar de apontar sua emoção para outro lado. Deus não está ali, nem João Paulo, nem Karol Wojtila. Não há mais ninguém em casa”.

- Nossa, quanta gente!

E o Brasil, heim? O país com maior número de pessoas que se declaram católicas não poderia ficar de fora desse mega evento. Eu sempre digo: como não ser católico, sendo brasileiro? Se você for se consultar com uma vidente, ela pede para você rezar o Pai Nosso. Se vai num candomblé, a mesma coisa. Enfim... O presidente Lula e o fervoroso Severino Cavalcante, além de comitiva de políticos, estão indo à Roma. Até Fernando Henrique, reconhecido ateu, vai. Quanto à nossa mídia, fora o cachecol de William Bonner, que deixa claro à Ilze Scamparini quem é que manda no jornalismo da TV Globo, ela está fazendo o seu papel. Sempre a partir de uma perspectiva católica.

Matérias como “catolicismo está perdendo espaço no país” ou “número de evangélicos duplicou na América Latina durante o pontificado de João Paulo II” pipocam por aí. Na última terça-feira, saiu essa pérola em um jornal da imprensa baiana: “A eleição de um papa brasileiro é muito improvável, pois a América inteira só tem 39 cardeais com direito a voto e a Europa tem 61. Contudo, não deixa de ser sensata a colocação de Lula de que a Igreja Católica deveria eleger um papa brasileiro. Não pelo nacionalismo, mas simplesmente porque o Brasil é o maior país católico do mundo e tem sofrido (?!) , nos últimos 30 anos, um ataque (?!) protestante (evangélicos) implacável (?!).” Pode?

- Eu tenho fé!

Aliás, eu também queria ir a Roma. Não para ver o funeral do papa, mas para saber quais os critérios objetivos e subjetivos que os cardeais utilizam para escolher o Sumo Pontíficie. Está claro que não são levados em conta apenas aspectos religiosos. Papa negro, nem pensar. Latino, ainda não. Americano, humm... não tem moral. Então, só resta Europeu, que deve ser italiano. Eu também quero ver o Vaticano. É engraçado que as pessoas normalmente associam algumas igrejas ao dinheiro. Mas, ainda não vi nenhuma reportagem sobre a riqueza da Igreja. Acho muita opulência. Só mais uma coisa: acho muito interessante quando os muçulmanos (O islamismo é a religião com o maior número de adeptos no mundo) vão à Meca. As imagens chegam ao Ocidente sempre como um bando de fanáticos que se atropelam para cumprir uma missão. É um filtro, não é verdade? Como eu disse no início: é difícil entender.

Bonus Track:
(...)Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar

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