terça-feira, 3 de abril de 2007

Avança, Salvador! - Parte I

Ou: A auto-solidariedade

Ariana de nascimento, EsseEsseÁ completou semana passada (29 de março) 458 anos de fundação. Como todos sabemos, a cidade tem belezas naturais e históricas que encantam turistas e a nós, singelos moradores desta city. Ainda mais quando nos reservamos ao direito de admirá-la. Com uma população que já ultrapassa a marca de 2,7 milhões, não são poucos os problemas vividos por aqui, assim como em todo o país. Afinal, é Brasil, é Nordeste, é Bahia, não é mesmo, minha gente?

Um desses graves problemas é a extrema divisão da cidade em função da alta concentração de renda. Não se engane: a má distribuição de grrrrrana é visível, inclusive, no mapa de EsseEsseÁ. A região da orla marítima concentra a maior parte da riqueza daqui.

Além disso, EsseEsseÁ tem o maior cadastro brasileiro de pessoas em situação de risco, que necessitam da ajuda dos Poder Público, por meio de programas de transferência de renda. Só para se ter uma idéia 136 mil famílias recebem o Bolsa-Família. E para muitas delas, o benefício é a única fonte de renda. A meta do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) da capital baiana é a maior do país, com cerca de 8.933 crianças, ou seja, cinco mil famílias com direito a uma bolsa-auxílio mensal de R$ 40 para cada criança afastada de atividades laborativas, freqüentando a escola e as atividades socioeducativas em período oposto ao da aula.

(Você sabe que você me vê)

O mais inusitado dessa situação é conseguir viver (ou sobreviver) apesar de, parodiando um pouco Clarice Lispector: apesar de muito buraco na rua, apesar de um sistema de transporte público deficiente, apesar de um prefeito chorão e incompetente, apesar de um tráfego sem autoridade (tema do próximo texto), apesar de ter de pular mendigo no centro da cidade, apesar de assistir espetáculos do tipo "circence" de crianças e adolescentes pedindo esmolas nas sinaleiras.

Não sendo do interior e um autêntico soteropolitano, ainda me impressiona a capacidade das pessoas de não enxergarem problemas cotidianos. Afinal, na metrópole, as relações entre os humanos são mais impessoais e as pessoas, mais individualistas. Alguns poderão argumentar que o costume é uma espécie de anestesia. Na medida em que você se acostuma a algo (principalmente uma situação que considerava escandalosa e humilhante até então), para não sofrer e não perder seu tempo, inconscientemente aquilo passa a fazer parte de seu cotidiano. É como o que está acontecendo com os aeroportos brasileiros. Em qualquer lugar civilizado, cabeças de gestores já tinham sido cortadas e o problema, sanado há muito tempo. O que acontece por aqui é o contrário: em vez da mobilização, o brasileiro sai de casa com o travesseiro debaixo do braço para esperar horas por um avião que poderá não chegar.

Auto-solidariedade
Mês passado a prefeitura lançou uma campanha com o título "Ajude de Verdade". A idéia é a seguinte: ao invés de dar esmola para crianças e afins nas sinaleiras, as pessas caridosas podem contribuir para uma espécie de Fundo Municipal do Direito da Criança e do Adolescente. E quem faria a distribuição desse dinheiro para ONG´s que cuidam dessas pessoas? A Prefeitura, claro! O argumento deles é que a esmola não ajuda, cria dependência e expõe as crianças a toda sorte de exploração.

OK, raramente dou esmola. Particularmente, acho errado. Mas, estando sensibilizado com a (miserável) situação de outra pessoa, por que não ajudar? Agora, fico me questionando o porquê da Prefeitura, que não sabe o que fazer com o dinheiro dos impostos, querer botar a mão nesses reais extras. Pelo menos, está estimulando uma prática meio que estranha: quem preferir dar esmola ao Fundo em vez dos meninos de rua, pode, inclusive, deduzir a "contribuição" do Imposto de Renda. Ou seja: seria uma espécie de auto-solidariedade. Duvi-de-o-dó que uma pessoa que realmente se preocupa com o outro tire um real de um bolso para, em seguida, colocá-lo no outro bolso da calça e ainda sentir-se confortável com a situação.

O Estado é constitucionalmente obrigado a investir os impostos que arrecada na sociedade. Em função de sua falência em atender as necessidades básicas das pessoas, surgiu um exército de ONG´s contra toda espécie de mazela social. O primeiro não faz o que lhe cabe e o segundo não tem condições de atender a todos. Agora, o Estado quer também receber doações. Que país é esse?

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