sexta-feira, 3 de março de 2006

Memórias de Ricifi

Ou: Frevo, tubarão e spray de espuma

Qual não foi a minha surpresa ao encontrar o meu queridíssimo conterrâneo multiuso Caetano Veloso em pleno Carnaval de Ricifi? É que ele, assim como eu, passou pela primeira vez a festa na cidade. Foi assim: depois de ter voltado acabado e estrupiado de Olinda no domingo, resolvi ficar de bobeira no chamado Marco Zero, no Recife Antigo, vendo alguns grupos de Maracatu Rural. Muita cor, muito batuque, muito lamento. Enfim... eu respirava cultura. Uma coisa fofa.

Por outro lado, enquanto me concentrava nos maracatus, tentava em vão me manter distante dos "ataques" de spray de espuma, uma compulsão do recifense. A todo momento, em qualquer lugar da cidade, alguém (criança, adolescente, adulto ou velho) espirrava aquele negócio no ar e a porcaria branca em formato de flocos sempre vinha em minha direção, pro meu cabelo, pra minha roupa. Toda hora tinha que ficar me limpando. Definitivamente, não dava pra pagar de gatinho naquele lugar. Fiquei com trauma.

Bem, já estava perdendo a esportiva, queria estrangular um, quando entrou uma orquestra que tocaria... dou um doce para quem adivinhar. Acertou? Isso mesmo, uma orquestra que tocaria frevo. Aêêêê!!!. Foi um êxtase. Desde o super-hiper tradicional Pan-ran ran-ran ran-ran ran até o tradicional "Recife, voltei, foi a saudade que me trouxe pelo braço". Muita tradição.

O galo, as galinhas, os pintos e os frangos de Ricifi

Um grupo de dançarinos de frevo acomapanhou a orquestra e me fez concluir que esse tipo de dança só é possível para quem tem até 15 anos. Aprendi que o frevo tem cerca de 100 passos a exemplo de tesoura, ferrolho, parafuso e locomotiva. Por isso, é possível passar a vida aprendendo a dançá-lo. Foi quando Caetano foi anunciado. Fez alguns segundos de corpo mole e depois caiu na bagaceira. O povo delirou: "É Caetano, é Caetano". Enfim... Depois, veio o badalado Cordel do Fogo Encantado e, depois, bem depois, Lenine, com participação de Vanessa da Mata. A prefeitura adorou a presença de Caê por lá e, corre à boca miúda, que já rolou convite para o próximo ano.

Pan - ran ran - ran ran - ran ran
Mas vamos começar do início. Quando cheguei em Ricifi, segunda maior cidade do Nordeste (não diga isso para um pernambucano!) na sexta-feira, a primeira coisa que vi foi um galo estilizado no meio de uma ponte. Depois, outro choque: a cidade é toda plana, não tem uma ladeirinha, nem um morrinho, situação geográfica incompreensível para um baiano. Do prédio em que fiquei hospedado, dava para ver grande parte da cidade, parte de Jaboatão dos Guararapes e um pouco de Olinda. Pirei. "Oxe!", eu disse. "É porque Ricifi é uma cidadi pouco larga, mas comprida, como o Estado", explicou um nativo.

Bem, acontece que, apesar de poucos dias por lá, consegui ver o básico: as pontes, algumas praças, Clarice Lispector, Recife Antigo, a poderosa livraria Cultura e, é claro, a famosa praia de Boa Viagem, entre outras cositas. Aqui abro um parênteses.

Cinderela: irreverência pernambucana

A orla da Boa Viagem é coisa de primeiro mundo, mesmo contando com alguns prédios bregas, embora todos luxuosos. Mas o engraçado é o receio do povo em tomar banho na praia por causa do ataque de tubarões. Um drama! Quando eu já estava com a água pelo joelho (morna, diga-se), fui alertado de que não era para continuar: "Não ultrapasse as pedras". "Por que?", perguntei. "Por causa de tubarão", me responderam. "Que tubarão? Aqui no rasinho? Ah, me poupe...". "Você é quem sabe...". Bem... como eu não sabia e não estava vendo nenhum cabra na água, fiquei por lá mesmo. Com tubarão ou sem tubarão, tive que me banhar na beirinha. Só faltou uma cuia. hehe! Fecha parênteses.

Enfim... tive que fazer tudo rápido porque a cidade fecharia no sábado e só reabriria Deus sabe quando. (Depois fui ver o quanto isso era verdade!) Foi uma maratona à la ray of light. À noite, alguns grupos acompanhados com carros de som começaram a desfilar pelo centro da cidade. Era o início da folia. No tal Marco Zero, Elba Ramalho, Alceu Valença e outras pratas da casa cantaram no palco principal.

Multidão em Olinda: bagaceira das boas

Mas nada se comprara ao Galo da Madrugada. Ricifi pára pra ver o bloco passar. Ele é considerado pelos pernambucanos como o maior do mundo. O Sábado de Zé Pereira é todo dedicado a ele. A Globo Recife, por exemplo, coloca mais de uma dezena de repórteres na rua e dois helicópteros no ar somente para fazer a cobertura do galináceo. Durante todo o dia se ouve o hino "Ei pessoal, vem moçada, carnaval começa com o Galo da Madrugada" e o frevo "pan - ran ran - ran ran - ran ran" e outras três ou quatro músicas tradicionais, que são repetidas ao infinito.

Uma multidão acompanha os blocos em torno do Galo. Se eu pudesse definir o comportamento do recifense no carnaval, não pensaria duas vezes. Diria: - são irreverentes e pavio curto. A galera sai toda fantasiada. O nome dos blocos ou tem duplo sentido ou é pura ironia. Na televisão (eu fiquei preso na casa de quem eu estava hospedado justamente na hora que o Galo saiu. A criatura pegou a chave errada!) acompanhei a receita de Dona Aninha para não perder as forças na folia ("beba tangerina com alface", dizia ela) e as estripulias de Cinderela, um homem travestido da personagem da Disney. Quem acertasse quantas vezes o galo aparecia durante a transmissão, Cinderela daria, entre outras coisas, bicicleta, DVD e até moto. Muito cômico.

Pronto! Acabado o Galo, não há muita coisa a se fazer na capital durante o dia. Só à noite. Durante o dia toda Pernambuco se muda para Olinda, cidade comandada pelo cantor Alceu "da manga rosa quero o gosto e o sumo" Valença. A festa começa na casa dele. Pois bem. À medida que avançamos pelas ruas da cidade, a multidão crescia, crescia e crescia. Um bando de foliões fantasiados de Batman, Jason, FBI, bebês gigantes, entre outros, circulavam pra lá e pra cá bêbados ou quase bêbados e armados com pistolas de água, considerada uma arma de sedução. Era uma festa, uma gandaia. Enfim... carnaval dos bons. Um detalhe é que a pistola de água está para o olindense assim como o spray de espuma para o recifense. Crianças e adolescentes se escodem nas sacadas dos sobrados e quando o folião lá embaixo menos espera, ele é atingido por água jogada de um balde. Uma coisa...

Consegui ficar duas horas circulando entre troças, bandinhas e bonecos gigantes. Frevo, frevo e frevo na cabeça. Depois, fui visitar a exuberante cidade. Recomendo o Mirante do Alto da Sé, de onde dá para se ver Ricifi. Foi nesse dia que, na volta para a capital, me bati com meu conterrâneo. Acho que foi no domingo que meu dinheiro acabou e eu penei para achar um caixa eletrônico que funcionasse em Ricifi. Na segunda, comecei a ficar desesperado porque precisava comprar a passagem de volta. Foi um drama daqueles. Já estava com saudade de EsseEsseÁ. Fiquei com a impressão de que precisava conhecer a cidade em outro momento, sem Galo da Madrugada e sem sprays de espuma. Uma coisa assim... Porto de Galinhas, Ilha de Itamaracá, etc.

Depois de muita corrida, na segunda, peguei o transporte de volta e...

Voltei, Salvador, foi a saudade que me trouxe pelo braço

Enquanto eu estava pela primeira vez no carnaval de Ricifi, estrearam no de EsseEsseá: Xuxa, Fatboy Slim...

... caí no circuito da Barra. Era o último dia de Carnaval e a cidade estava bombando. Depois de ver o trio da Daniela Mercury, o Expresso 2222 e os Mascarados, acompanhei o Fatboy Slim. Ladeado pelos DJs brasileiros Marky e Patife, o cara arrebentou. O som estava perfeito, a galera ficou em êxtase. Há muito tempo que não vi nada igual. Em Ondina, uma grande pipoca se formou no final do percurso pedindo bis. Histórico.

...Bono, Wonder Woman e Tati

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