terça-feira, 4 de outubro de 2005

Mártir

Ou: Intenção de suicídio vale?

O drama do frei Luís Flávio Cappio, que se recusa a comer desde o dia 26 de setembro por causa do projeto do governo federal de transpor parte das águas do Rio São Francisco, está não só contagiando como mobilizando a cada dia que passa mais pessoas aqui no Nordeste. Não só caravanas de gente “simples” de estados como Bahia, Sergipe e Alagoas estão se dirigindo à Capela de São Sebastião, em Cabrobó (PE), como também políticos, religiosos e muitos, muitos oportunistas.

Na época do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, ver uma pessoa demonstrar essa disposição em defender - com a própria vida se for o caso - algo em que acredita é excepcional. Afinal, por que causa eu daria minha vida hoje, agora? Não digo um projeto individual, porque para isso eu já dou o meu sangue e o meu suor diariamente, obrigado. Digo causa mais ampla, social. Hummm.... Bem, eu posso simplesmente dizer (e de forma bastante sincera!): “Eu já faço a minha parte” como aquele bendito beija-flor que teima em apagar sozinho o eterno incêndio daquela maldita floresta. É uma saída, não?

Mas existem situações em que é preciso o fervor da paixão, as batidas do coração de um beija-flor, o brilho dos olhos da loucura, a coragem da exceção. Não sou do tipo de pessoa que sai pelas ruas gritando palavras de ordem nem tenho talento para ser mártir (e, depois de minha morte, virar estampa de camiseta ou souvenir como Che Guevara). Não, não. Dou o maior apoio, claro, assim como para aqueles que querem “lutar” pela paz, pelos animais, pelos pobres da América Latina, pelos países da África, pela Mata Atlântica, pelo desarmamento, pelo boto cor-de-rosa, contra ACM, etc, etc, etc. O que não faltam são causas. Evidente que muitas se esvaziam quando absorvidas pela lógica do consumo. Mas isso eu falo depois.

Paisagem do São Francisco em Minas e Alagoas

Todos nós temos nossos anseios, nossos projetos (ou não, não é verdade? hehe! Afinal, a vida é uma incognita, qual é a sua missão? Existe missão? Ó vida, ó céus!! hehe! Brincadeira, estou sacaneando!) Agora, se for parar para pensar bem, acredito que o que sempre me motivou foi a questão da liberdade de expressão e o respeito ao outro. Como se diz aqui na Bahia "eu dou pra ruim", "rodo a baiana", "dou pitti" quando vejo algo indo contra essas minhas convicções. Enfim...

O drama do frei me comove porque se não fosse por esse ato, o projeto do governo de bombear parte da água do rio São Francisco para beneficiar moradores do semi-árido dos Estados de Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba, passaria em nuvens eurodescendentes para mim. A obra vai custar R$ 4,5 bilhões. É muita grana, caralho! Os principais críticos dizem que esse projeto não vai resolver o problema histórico da seca do Nordeste e que o que o rio precisa mesmo é ser revitalizado. Vamos ficar atentos! Agora, acho esquisito a Igreja Católica apoiar uma intenção de suicídio.

Bonus Track:
Quase, de Luis Fernando Veríssimo

"(...)É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi.Quem quase ganhou ainda joga, quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.(...)Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si. (...) Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar. Desconfie do destino e acredite em você. Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu.(...)

Sim, eu voltei.

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