Ou: Crônica de uma morte anunciada
Ou: Café de pobre
Ou: “Estou cagando para o capitão”

Simplesmente (simples assim!) os jovens foram seqüestrados pelos militares - 11 ao todo - e entregues a traficantes do morro da Mineira, rival da facção criminosa que comanda a Providência. De acordo com matéria publicada na Folha de S. Paulo, moradores relataram que de 10 a 30 criminosos (o número varia conforme o grupo de testemunhas) receberam o presente de sorriso largo e comandaram, então, uma sessão de torturas, com paulada, socos e chutes.
Tudo isso porque, após prenderem os jovens por suposto desacato, o tenente de 25 anos que comandava a operação não aceitou a ordem superior de um capitão de liberá-los. Segundo um delegado que investiga o caso, um dos soldados do Exército que fazia parte da equipe que entregou os jovens disse que o tenente, após deixar o quartel, disse que "estava cagando para o capitão" e por isso levaria os jovens para o Morro da Mineira para dar a eles um corretivo. O mais chocante é que os todos personagens dessa crônica têm, vítimas e algozes, no máximo, 25 anos.
Café sem açúcar
Tão chocante para mim quanto o fato dos jovens serem entregues como presente por militares a traficantes, foi o fato do ministro da Defesa ter ido tomar cafezinho no morro. Solidariedade é importante nesse momento, claro. Mas não consigo engolir a imagem de Jobim subindo o morro, ao lado de 40 soldados e 10 seguranças, para prestar conforto às famílias. Lembro quando ele também foi conferir pessoalmente a pista de Congonhas no episódio do apagão aéreo.

Pois bem, em uma casa do morro da tia de um dos jovens mortos, o ministro tomou um copo de café, sem olhar para a dona da casa ou para o líquido que está ingerindo. Tudo devidamente registrado pelas câmeras de TV e lentes dos fotógrafos. O importante, nesses casos, é o cenário. Ela, ao lado, encarando o homem engravatado, rígido, afirma: - Foi meu sobrinho que morreu. Ele responde: - Eu sei, tomando um gole de café como se fosse “pinga”, assim, de vez. Ela reitera: - Foi meu sobrinho. Talvez ela achou que ele não escutou ou pensou que tinha que repetir a fala. Ele responde, dando o último gole: - Eu sei, vamos resolver.
Talvez seja aquele o único momento em que ela pode ser ouvida e vista pelas autoridades. Em depoimento, Sueli Ribeiro, 58, como é o nome da hospitaleira dona-de-casa, falou para os jornalistas sobre a visita do ministro: "Disse para ele dos abusos do Exército aqui dentro e ele disse que para a gente ficar tranqüilo, que já estavam tomando providências", disse ela. "Ele tomou café sem açúcar, café de pobre".
Essa é mais uma crônica brasileira. Triste país. Pobres cidadãos.
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