quarta-feira, 15 de março de 2006

Teatro do absurdo

Enfim, os meninos voltaram para o quartel. Estão dizendo por aí que recuperaram os fuzis. E aqui entre nós: não acho o verbo recuperar adequado. Sabe o porquê? Porque as armas estavam todos juntinhas, bonitinhas, embaladas num matagal próximo da favela da Rocinha. Me deixe, viu! Só faltou uma placa com os dizeres em vermelho com fundo amarelo "Fuzis roubados do Exército. Aqui!", e uma seta, claro!

De acordo com a Folha há suspeitas que integrantes do Exército negociaram sigilosamente com o Comando Vermelho a devolução do armamento. Não duvido. Estes tinham interesse no ato porque estavam incomodados com a perda de dinheiro que a presença dos soldados nos morros provocava a seus negócios. Ninguém gosta de perder dinheiro, muito menos traficante.

Taí as bonitas. Se fosse Gollum, diria: meu precioso


Só sei que fiquei com a impressão - aliás, impressão eu já tinha - fiquei com a certeza de que o tráfico sabe o que faz e o Estado, não. Senti vergonha, muita vergonha. Agora, triste é saber que uma da vítimas dessa ação-armação foi um adolescente de 16 anos que (ô, estranha ironia!) ia se alistar no serviço militar. Ele carregava um guarda-chuva fechado, e o cabo foi confundido com um fuzil. Morreu.

Começar um circo por causa de dez fuzis foi uma palhaçada. Por quê? Bem, só nos últimos cinco anos, dos mais de 80 mil fuzis e pistolas apreendidos com os bandidos, cerca de 10% tinham sido roubadas do Exército, Aeronáutica, Marinha e polícia. Agora a contradição: se os traficantes fizeram acordo, se é que fizeram, isso demonstra que o Exército foi capaz de encostar o tráfico contra a parede, impedir sua liberdade de movimento e estrangular sua fonte de renda. Digamos que eles pediram diplomaticamente penico, mesmo que nossos meninos parecessem barata tonta, ou, como dizem aqui na Bahia, pica tonta: um dos soldados deu um tiro no próprio pé. E agora? Tudo continuará como antes. Enfim... Só sei que nada sei, mas que é muita vergonha, isso é.

terça-feira, 14 de março de 2006

Reflexão # 15

Eu poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos! A alguns deles não procuro, basta-me saber que eles existem. Mas é delicioso que eu saiba e sinta que os adoro, embora não declare e não os procure sempre."

Por Vinícius de Moraes

Aos meus amigos. Sempre.

quinta-feira, 9 de março de 2006

O Haiti é aqui?

Ou: Não, meu bem. É o Brasil mesmo, com S, de Zebra.

Definitivamente, não consigo não ficar chocado ao ver imagens de militares em ação no Rio. Para mim, chega a ser nonsense, surreal conseguirmos viver achando que esse país está na normalidade. Tenho a impressão de que nunca esteve: vivemos em guerra civil, só que não fomos avisados.


É generalizado: na capital, no interior, no Sudeste, no Nordeste. Qualquer lugar que você vá, a primeira coisa que te dizem é: tenha cuidado. É assim quando paulista vai para o Rio, quando carioca vem para Salvador, quando soteropolitano vai pra Recife, quando recifense vai para São Paulo, etc. O jardim do outro é terrivelmente perigoso. O Rio não é a cidade mais violenta do país, mas é aquela onde a violência ganha mais visibilidade.


E que situação, heim? Temos medo da polícia (quem não tem, que levante o dedo); vemos com estarrecimento a capacitação cada vez maior do crime organizado, principalmente no Rio e Espírito Santo; nos protegemos atrás das grades de nossas casas (nossa elite, em suntuosos condomínios fechados no Litoral Norte baiano); andamos amedrontados a qualquer hora do dia e da noite e apelamos para a "segurança" privada.


Por falar nisso, em muitos bairros de diversas cidades brasileiras, estranhos aparecem com um colete escrito SEGURANÇA - comprado na esquina, obviamente -, oferecendo segurança. Impressionante é que aqueles cidadãos que optam por não pagar a taxa solicitada, misteriosamente são os únicos a serem assaltados. Mais impressionante ainda é que a Polícia Federal, órgão que deveria ser responsável pela regulamentação e organização do setor, não tem a mínima idéia de quem são nem de quantos praticam essa segurança.


Hoje, faz seis dias que cerca de 1.800 militares estão no Rio, cercando algumas favelas, em busca de 10 fuzis (???) roubados de um quartel do Exército na sexta passada. "Questão de honra", dizem os responsáveis pela operação. Os principais acessos à cidade por terra, mar e ar estão bloqueados. Lamentável. Agora a pergunta: há quanto tempo o crime organizado faz a população refém de seus negócios e de seus caprichos? E o que fizeram as Forças Armadas a respeito disso? Nada. Há, inclusive, relatos de agressão a moradores: toque de recolher, crianças revistadas com grosseria, adultos estapeados, casas e comércios invadidos e depredados, etc.

Não é a primeira vez que o Exército ocupa o Rio. Lembro-me de uma no início da década de 90. Foi um drama nacional. No mais, o que vemos, em todas elas, são dedos acusatórios levantados, promessas de melhoria sendo feitas, mas logo tudo é esquecido. Este ano não será diferente, não. Afinal, temos a Copa do Mundo na Alemanha. E, se Deus for realmente brasileiro, como dizem por aí (embora eu não acredite), seremos hexacampeão.

segunda-feira, 6 de março de 2006

Só para amantes

Como todos os anos acontece, não consegui assistir até o fim a festa do Oscar transmitida pela Globo ontem. Na verdade, não passei do segundo bloco. Domingo, né? Mas até onde resisti, pude observar que Hollywood está desesperada. A Academia só faltou implorar de joelhos ao dizer, a todo momento, como é importante as pessoas frequentarem o cinema. Que nada se iguala ao ambiente de sonho que o cinema proporciona.

Se não me engano, o apresentador-cara-de-pedra Jon Stewart mostrou em algum momento trechos de filmes que marcaram época e disse que se esses filmes fossem vistos na TV, não teriam a mesma graça. Não me lembro ipsis litteris o discurso porque já estava mais pra lá do que pra cá. Aqui entre nós, o drama tem razão: A arrecadação dos cinemas americanos está em queda livre. Em 2005 foi de US$ 1,34 bilhão, contra US$ 1,39 bilhão no ano anterior e US$ 1,63 bilhão em 2003.

Por que será que isso está acontecendo? Longe de querer resolver a questão (afinal, tenho mais o que fazer e também não estou ganhando para isso) levanto duas hipóteses: 1) os filmes que estão sendo lançados não estão tendo aquele apelo junto ao público e 2) tá surgindo aí uma mudança de comportamento ao consagrado hábito de ir ao cinema. Ninguém diz, mas também inventei a roda. hehe!

A noite foi dos pinguins

Tem muitos amigos meus que cometem o "pecado" de não ir mais a nenhuma sala. Primeiro porque ninguém está muito disposto a desembolsar R$ 14 ou mais em um filme, qualquer que seja ele, de quem quer que seja. Até Almodóvar não merece tanto. Outros dizem: "Pra quê? Logo, logo sai em DVD. É mais barato, não preciso procurar estacionamento, pegar fila e não tenho que me estressar com aquele povo mal educado". Enfim... é a era do Home Theather.

Outra: As pessoas se impressionaram com o fato de Crash ter levado o Oscar de Melhor Filme. Os defensores de Brokeback Mountain, o favorito, se sentiram boicotados, etc. Tsc, tsc... Até parece que ninguém nunca assistiu ao Oscar. Se isso não acontecesse, não teria graça. Veja aqui os vencedores do Oscar 2006. Outra conclusão: Para a Academia, ainda é mais "fácil" lidar com o conflito racial (Crash) do que com uma história de amor entre dois homens (Brokeback). Quer saber mais? Leia Ana Maria Baiana.

sexta-feira, 3 de março de 2006

Memórias de Ricifi

Ou: Frevo, tubarão e spray de espuma

Qual não foi a minha surpresa ao encontrar o meu queridíssimo conterrâneo multiuso Caetano Veloso em pleno Carnaval de Ricifi? É que ele, assim como eu, passou pela primeira vez a festa na cidade. Foi assim: depois de ter voltado acabado e estrupiado de Olinda no domingo, resolvi ficar de bobeira no chamado Marco Zero, no Recife Antigo, vendo alguns grupos de Maracatu Rural. Muita cor, muito batuque, muito lamento. Enfim... eu respirava cultura. Uma coisa fofa.

Por outro lado, enquanto me concentrava nos maracatus, tentava em vão me manter distante dos "ataques" de spray de espuma, uma compulsão do recifense. A todo momento, em qualquer lugar da cidade, alguém (criança, adolescente, adulto ou velho) espirrava aquele negócio no ar e a porcaria branca em formato de flocos sempre vinha em minha direção, pro meu cabelo, pra minha roupa. Toda hora tinha que ficar me limpando. Definitivamente, não dava pra pagar de gatinho naquele lugar. Fiquei com trauma.

Bem, já estava perdendo a esportiva, queria estrangular um, quando entrou uma orquestra que tocaria... dou um doce para quem adivinhar. Acertou? Isso mesmo, uma orquestra que tocaria frevo. Aêêêê!!!. Foi um êxtase. Desde o super-hiper tradicional Pan-ran ran-ran ran-ran ran até o tradicional "Recife, voltei, foi a saudade que me trouxe pelo braço". Muita tradição.

O galo, as galinhas, os pintos e os frangos de Ricifi

Um grupo de dançarinos de frevo acomapanhou a orquestra e me fez concluir que esse tipo de dança só é possível para quem tem até 15 anos. Aprendi que o frevo tem cerca de 100 passos a exemplo de tesoura, ferrolho, parafuso e locomotiva. Por isso, é possível passar a vida aprendendo a dançá-lo. Foi quando Caetano foi anunciado. Fez alguns segundos de corpo mole e depois caiu na bagaceira. O povo delirou: "É Caetano, é Caetano". Enfim... Depois, veio o badalado Cordel do Fogo Encantado e, depois, bem depois, Lenine, com participação de Vanessa da Mata. A prefeitura adorou a presença de Caê por lá e, corre à boca miúda, que já rolou convite para o próximo ano.

Pan - ran ran - ran ran - ran ran
Mas vamos começar do início. Quando cheguei em Ricifi, segunda maior cidade do Nordeste (não diga isso para um pernambucano!) na sexta-feira, a primeira coisa que vi foi um galo estilizado no meio de uma ponte. Depois, outro choque: a cidade é toda plana, não tem uma ladeirinha, nem um morrinho, situação geográfica incompreensível para um baiano. Do prédio em que fiquei hospedado, dava para ver grande parte da cidade, parte de Jaboatão dos Guararapes e um pouco de Olinda. Pirei. "Oxe!", eu disse. "É porque Ricifi é uma cidadi pouco larga, mas comprida, como o Estado", explicou um nativo.

Bem, acontece que, apesar de poucos dias por lá, consegui ver o básico: as pontes, algumas praças, Clarice Lispector, Recife Antigo, a poderosa livraria Cultura e, é claro, a famosa praia de Boa Viagem, entre outras cositas. Aqui abro um parênteses.

Cinderela: irreverência pernambucana

A orla da Boa Viagem é coisa de primeiro mundo, mesmo contando com alguns prédios bregas, embora todos luxuosos. Mas o engraçado é o receio do povo em tomar banho na praia por causa do ataque de tubarões. Um drama! Quando eu já estava com a água pelo joelho (morna, diga-se), fui alertado de que não era para continuar: "Não ultrapasse as pedras". "Por que?", perguntei. "Por causa de tubarão", me responderam. "Que tubarão? Aqui no rasinho? Ah, me poupe...". "Você é quem sabe...". Bem... como eu não sabia e não estava vendo nenhum cabra na água, fiquei por lá mesmo. Com tubarão ou sem tubarão, tive que me banhar na beirinha. Só faltou uma cuia. hehe! Fecha parênteses.

Enfim... tive que fazer tudo rápido porque a cidade fecharia no sábado e só reabriria Deus sabe quando. (Depois fui ver o quanto isso era verdade!) Foi uma maratona à la ray of light. À noite, alguns grupos acompanhados com carros de som começaram a desfilar pelo centro da cidade. Era o início da folia. No tal Marco Zero, Elba Ramalho, Alceu Valença e outras pratas da casa cantaram no palco principal.

Multidão em Olinda: bagaceira das boas

Mas nada se comprara ao Galo da Madrugada. Ricifi pára pra ver o bloco passar. Ele é considerado pelos pernambucanos como o maior do mundo. O Sábado de Zé Pereira é todo dedicado a ele. A Globo Recife, por exemplo, coloca mais de uma dezena de repórteres na rua e dois helicópteros no ar somente para fazer a cobertura do galináceo. Durante todo o dia se ouve o hino "Ei pessoal, vem moçada, carnaval começa com o Galo da Madrugada" e o frevo "pan - ran ran - ran ran - ran ran" e outras três ou quatro músicas tradicionais, que são repetidas ao infinito.

Uma multidão acompanha os blocos em torno do Galo. Se eu pudesse definir o comportamento do recifense no carnaval, não pensaria duas vezes. Diria: - são irreverentes e pavio curto. A galera sai toda fantasiada. O nome dos blocos ou tem duplo sentido ou é pura ironia. Na televisão (eu fiquei preso na casa de quem eu estava hospedado justamente na hora que o Galo saiu. A criatura pegou a chave errada!) acompanhei a receita de Dona Aninha para não perder as forças na folia ("beba tangerina com alface", dizia ela) e as estripulias de Cinderela, um homem travestido da personagem da Disney. Quem acertasse quantas vezes o galo aparecia durante a transmissão, Cinderela daria, entre outras coisas, bicicleta, DVD e até moto. Muito cômico.

Pronto! Acabado o Galo, não há muita coisa a se fazer na capital durante o dia. Só à noite. Durante o dia toda Pernambuco se muda para Olinda, cidade comandada pelo cantor Alceu "da manga rosa quero o gosto e o sumo" Valença. A festa começa na casa dele. Pois bem. À medida que avançamos pelas ruas da cidade, a multidão crescia, crescia e crescia. Um bando de foliões fantasiados de Batman, Jason, FBI, bebês gigantes, entre outros, circulavam pra lá e pra cá bêbados ou quase bêbados e armados com pistolas de água, considerada uma arma de sedução. Era uma festa, uma gandaia. Enfim... carnaval dos bons. Um detalhe é que a pistola de água está para o olindense assim como o spray de espuma para o recifense. Crianças e adolescentes se escodem nas sacadas dos sobrados e quando o folião lá embaixo menos espera, ele é atingido por água jogada de um balde. Uma coisa...

Consegui ficar duas horas circulando entre troças, bandinhas e bonecos gigantes. Frevo, frevo e frevo na cabeça. Depois, fui visitar a exuberante cidade. Recomendo o Mirante do Alto da Sé, de onde dá para se ver Ricifi. Foi nesse dia que, na volta para a capital, me bati com meu conterrâneo. Acho que foi no domingo que meu dinheiro acabou e eu penei para achar um caixa eletrônico que funcionasse em Ricifi. Na segunda, comecei a ficar desesperado porque precisava comprar a passagem de volta. Foi um drama daqueles. Já estava com saudade de EsseEsseÁ. Fiquei com a impressão de que precisava conhecer a cidade em outro momento, sem Galo da Madrugada e sem sprays de espuma. Uma coisa assim... Porto de Galinhas, Ilha de Itamaracá, etc.

Depois de muita corrida, na segunda, peguei o transporte de volta e...

Voltei, Salvador, foi a saudade que me trouxe pelo braço

Enquanto eu estava pela primeira vez no carnaval de Ricifi, estrearam no de EsseEsseá: Xuxa, Fatboy Slim...

... caí no circuito da Barra. Era o último dia de Carnaval e a cidade estava bombando. Depois de ver o trio da Daniela Mercury, o Expresso 2222 e os Mascarados, acompanhei o Fatboy Slim. Ladeado pelos DJs brasileiros Marky e Patife, o cara arrebentou. O som estava perfeito, a galera ficou em êxtase. Há muito tempo que não vi nada igual. Em Ondina, uma grande pipoca se formou no final do percurso pedindo bis. Histórico.

...Bono, Wonder Woman e Tati