segunda-feira, 29 de novembro de 2004

E aí, vai encarar?

- Vem comigo!

Nossa, estou correndo contra o tempo... Hummm..., quero dizer, a favor dele. Minhas férias, até segunda ordem (oh céus!), começam daqui a duas semanas. E o pior é que parece (parece, não. É) que a “carga” está mais pesada para a formiguinha aqui: seja em conseqüência da expectativa seja por causa do cansaço, que é muito. Minha memória que o diga... A locomotiva que sou está literalmente no automático e para sair dos trilhos e daqui pra li ó. Por isso, a demora em postar. Já percebi que eu preciso do ócio, até para ser mais produtivo.

Claro que a primeira coisa que vem à cabeça é dormir. Depois, dormir. Mas dormir vai, evidentemente, me cansar em três dias. E eu vou procurar fazer alguma coisa. Aí é que tá. Planejei três coisas básicas:

1 - Atividades linha "eu quero ver até onde meu coração aguenta":
a) Pular de pára-quedas da Ilha de Itaparica.
b) Pular de bungee jumping da ponte metálica de Paulo Afonso.
c) Ir para o Rio.

2 - Atividade linha "quanto menos gente melhor":
d) Chapada (Lençóis), algo do tipo eco-turismo.

3 - Atividade linha "recepção":
e) Ficar em Salvador. Afinal, ninguém é besta de sair da cidade em pleno verão. Para perder as novidades da estação, só se for para ir ali dar um pulinho de um avião, ver o fogaréu do Reveillon do Rio ou as grutas da Chapada. Mas para ir num pé e voltar em outro, tá?

Ah, já ia me esquecendo... Impressionante como tem gente medrosa nesse mundo! Não dá para acreditar. E eu ainda não convenci ninguém conhecido a ir dar um pulo comigo. Sozinho não vou. Alguém disposto? hehe!

sexta-feira, 26 de novembro de 2004

A verdade

Ou: A dupla, a tripla (ad infinitum...) existência da verdade

A porta da verdade estava aberta,
mas só deixava passar
meia pessoa de cada vez.
Assim não era possível atingir toda a verdade,
porque a meia pessoa que entrava
só trazia o perfil de meia verdade.
E sua segunda metade
voltava igualmente com meio perfil.
E os meios perfis não coincidiam.

Arrebentaram a porta. Derrubaram a porta.
Chegaram ao lugar luminoso
onde a verdade esplendia seus fogos.
Era dividida em metades
diferentes uma da outra.
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.
Nenhuma das duas era totalmente bela.
E carecia optar. Cada um optou conforme
seu capricho, sua ilusão, sua miopia.

A verdade, de Carlos Drummond de Andrade

Gosto demais desse poema do Drummond. Digo com culpa reconhecida em cartório que é um dos poucos que li dele. Mas são palavras muito significativas, principalmente quando penso na situação que vivi nesta semana, em que me desentendi com um amigo meu. Aliás, não foi um desentendimento. Digamos que "houve um desencontro". E, lógico, os amigos-juízes entraram na roda para opinar quem estava errado ou quem estava certo. Abre parênteses - Vou dizer uma coisa séria: eu tenho uma característica muito forte. Assim como tudo que leio, escuto, vejo ou tomo conhecimento meus amigos também têm que passar a mesma "experiência", eu os "obrigo" "delicadamente" a se manifestar em situações como essa. Quero saber a opinião, principalmente para me sentir mais seguro das minhas ações, se fiz a coisa certa ou não, mas de alguma forma esperando pela aprovação. Sou geminiano e fico me questionando o tempo todo. Por isso, quando estou com paciência, quero discutir. Afinal, saia justa é para amigos, não é mesmo? hehe! - Fecha parênteses.

Mas como o povo diz: quem pergunta o que quer ouve o que não quer. E, felizmente, eles não são maria-vai-com-as-outras. E eu não gostei de ouvir que "os dois estão errados". Óbvio que não é verdade! Convenci alguns, outros não - a minoria obviamente, que eu chamo de oposição. hehe! Alguns disseram que foi apenas um ingresso de teatro. Mas, de qualquer maneira, eu fico com um pé atrás para a próxima. Então, lembrei-me deste texto de Fernando Pessoa que, ao contrário do Drummond, leio sempre.

“Encontrei hoje, em ruas separadamente, dois amigos meus que se haviam zangado um com o outro. Cada um contou a narrativa de porquê se haviam zangado. Cada um me disse a verdade. Cada um me contou as suas razões. Ambos tinham toda razão. Não era que um via uma coisa e outro outra, ou que um via um lado diferente. Não; cada um via as coisas exatamente como se haviam passado, cada um as via com um critério idêntico ao do outro, e cada um, portanto, tinha razão. Fiquei confuso desta dupla existência da verdade.”

Claro que contra fatos não existem argumentos. Mas ri de tudo o que aconteceu. Não está esquecido, nem esclarecido. Mas, esses textos me fizeram pensar que o outro pode ter tido lá suas razões. Odeio ser compreensível, mas sou. Fazer o quê, não é?

terça-feira, 23 de novembro de 2004

Reflexão # 9

"Essa é a maravilhosa tolice do mundo: quando as coisas não nos correm bem – muitas vezes por culpa de nossos próprios excessos – pomos a culpa de nossos desastres no sol, na lua e nas estrelas, como se fôssemos celerados por necessidade, tolos por compulsão celeste, velhacos ladrões e traidores pelo predomínio das esferas; bêbados, mentirosos e adúlteros, pela obediência forçosa a influências planetárias, sendo toda nossa ruindade atribuída a influência divina... ótima escapatória para o homem, esse mestre da devassidão, responsabilizar as estrelas por sua natureza de bode. Meu pai se juntou a minha mãe sob a cauda do Dragão e minha natividade se deu sob a Grande Ursa: de onde se segue que eu tenho de ser violento e lascivo. Pelo pé de Deus! Eu teria sido o que sou, ainda que a mais virginal estrela do firmamento houvesse piscado por ocasião de minha bastardização."
Edmundo, personagem de "O Rei Lear", de Shakespeare.

E aí, pelo pé de Deus!, a quem ou o quê você culpa quando dá algo errado?

segunda-feira, 22 de novembro de 2004

A carne mais barata do mercado

Ou: Se Roma Negra é aqui, o Haiti também é.

No último sábado, foi comemorado o Dia da Consciência Negra. Na verdade, um dia para reflexão, como toda data comemorativa deveria sugerir, uma oportunidade para pensar sobre a situação do homem de pele negra e da mulher de pele negra neste país: as diferenças salariais injustas, o tratamento desigual frente a Justiça e a polícia, a falta de acesso aos postos de maior responsabilidade no mercado de trabalho.

Acredito que não resta dúvida que o racismo está entre as mais graves chagas das sociedades contemporâneas e precisa ser combatido com vigor. E qualquer democracia, se quer ser realmente democracia, deve partir do princípio que todos os cidadãos são iguais, têm os mesmos direitos e deveres. Por acaso, o artigo 5º da Constituição Brasileira diz que todos são iguais perante a lei, “sem distinção de qualquer natureza”. No entanto, o dia-a-dia, miseravelmente real, mostra que há algo de podre no reino da Dinamarca.

Dia da Consciência Negra: Uma vez que a "boa" sociedade não enxerga, é necessário fazer-se visível

Nesse sentido, o IBGE vem mostrando há anos a mesma vergonhosa realidade de um país profundamente desigual. A mais assustadora é a desigualdade racial, mais até que a de gênero: entre os brasileiros que estão no grupo de 1% mais rico do país, 88% são brancos; entre os 10% mais pobres, 70% são pretos ou pardos. Ou seja: os dados do IBGE apontam que a pobreza não é democrática quando se analisa a cor daqueles por ela atingidos. Os negros, que, de acordo com os critérios do instituto, são a soma de pretos e pardos, representam 45% da população, mas são 64% dos pobres e 68% dos indigentes do país.

No debate que tem ocupado a mídia nos últimos anos — depois de mais de um século de silêncio cúmplice — os mesmos falsos argumentos reaparecem: de que não há racismo, mas apenas discriminação social; de que é difícil qualquer ação afirmativa porque seria discriminatória; que somos todos afro-descendentes, afinal todos temos, pelo menos, um ancestral negro; de que o Brasil é um dégradé de cores dificultando políticas focadas na questão racial. Mas a verdade é que qualquer pessoa que se disponha com sinceridade a estudar o que se passa no Brasil sem medo de encontrar a verdade, verá que estes argumentos são manobras escapistas.

Todos os brasileiros podem ter algum tanto de sangue negro, mas é sobre os pretos e pardos de pele que pesa o preconceito que torna mais difícil, ou impossibilita, sua ascensão na escala social. Na ótica das pequenas autoridades do cotidiano – porteiros, policiais e seguranças – não há motivo para dúvidas: sabe-se quem é branco e quem é negro.

EsseEsseÁ, também chamada de Roma Negra, é considerada a cidade com maior população de pele escura fora da África. Quem não conhece Salvador pela sua propagada cultura afro-descendente? Sua religião, sua música, sua culinária? Entretanto, pasmem!, é aqui onde se vê as mais espantosas diferenças entre brancos e negros no Brasil. Lembro-me com nitidez de um comentário de uma amiga minha cabo-verdeana, que estudou na Universidade Federal por meio de intercâmbio, a respeito de seu desconforto na cidade. Ela não conseguia admitir como as pessoas conseguiam conviver de forma tão passiva com algo tão escancarado. Alienação ou costume?

Por falar nisso, em 1998, foi defendida na USP pela antropóloga Elisete Zanlorenzi, a tese "O mito da preguiça baiana". De acordo com ela, a tão decantada “preguiça baiana" é, na verdade, faceta do racismo. A tese sustenta que o baiano é muitas vezes mais eficiente que o trabalhador das outras regiões do Brasil e contesta a visão de que o morador da Bahia vive em clima de "festa eterna". Pelo contrário, é justamente no período de festas que o baiano mais trabalha. O objetivo da tese foi descobrir como a imagem da preguiça baiana surgiu e se consolidou. Elisete concluiu, após quatro anos de pesquisas, que a imagem da preguiça derivou do discurso discriminatório contra os negros e mestiços, que são cerca de 79% da população da Bahia. Para saber mais, veja este artigo.

Carnaval: maior parte dos negros ou estão segurando ou estão fora das cordas

Pois bem. No dia da Consciência Negra, foi realizada mais uma Caminhada da Liberdade em EsseEsseÁ, indo da Liberdade ao Pelourinho. Para quem não sabe, na Liberdade é o bairro com a maior população negra do país, com 600 mil habitantes. Lá também está a sede do bloco Ilê Aiyê, primeiro bloco afro da Bahia. O Ilê é uma referência na preservação e valorização da cultura afro-descendente. Quando saiu pela primeira vez, em 1974, não faltou reprovações e ameaças, tanto de policiais como de parte da imprensa mais reacionária. De acordo com o site do bloco, o jornal A Tarde, o mesmo que publicou um Caderno Especial sobre África no sábado, 20, tinha como manchete em de fevereiro de 1975: "Bloco Racista, Nota Destoante". A matéria dizia o seguinte:

"Conduzindo cartazes onde se liam inscrições tais como: "Mundo Negro", "Black Power", "Negro para Você", etc., o Bloco Ilê Aiyê, apelidado de "Bloco do Racismo", proporcionou um feio espetáculo neste carnaval. (...) Não temos felizmente problema racial. Esta é uma das grandes felicidades do povo brasileiro. A harmonia que reina entre as parcelas provenientes das diferentes etnias, constitui, está claro, um dos motivos de inconformidade dos agentes de irritação que bem gostariam de somar aos propósitos da luta de classes o espetáculo da luta de raças. Mas, isto no Brasil, eles não conseguem. E sempre que põem o rabo de fora denunciam a origem ideológica a que estão ligados. É muito difícil que aconteça diferentemente com estes mocinhos do "Ilê Aiyê""

O Brasil viveu por muito tempo o mito da democracia racial. Ainda há gente que acredita nisso, o que é lamentável. Por isso, o ideal é que a sociedade tome consciência dos problemas. Mas, antes disso é preciso enxergar. E as pessoas, infelizmente, ainda não estão acostumadas a ver um palmo diante do nariz.

Bonus Track 1:
Recomendo, para leitura, os livros Viva o Povo Brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, e Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freire. É um bom começo para entender a complexa dinâmica social brasileira.

Bonus Track 2:
A carne mais barata do mercado É a carne negra!
Que vai de graça pro presídio
E para debaixo do plástico
E vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos

A carne mais barata do mercado É a carne negra!

Que fez e faz a história pra caralho
Segurando esse país no braço (meu irmão)
O gado aqui não se sente revoltado
Porque o revólver já está engatilhado
E o vingador é lento Mas muito bem intencionado
E esse país vai deixando Todo mundo preto e o cabelo esticado
E mesmo assim Ainda guarda o direito

De algum antepassado da cor Brigar por justiça e por respeito
De algum antepassado da cor Brigar, bravamente, por respeito
De algum antepassado da cor Brigar por justiça e por respeito
De algum antepassado da cor Brigar
Carne negra!!!

A Carne, interpretada por Elza Soares, no CD do Cóccix até o Pescoço

sexta-feira, 19 de novembro de 2004

Into the groove

Bem, realmente tem certas coisas que eu não sei dizer. E aí, fico com a música "Um certo alguém", do Lulu, tocando na minha cabeça há uma semana. E, se a música toca, uma certa imagem aparece. Posso dizer que é praticamente um home theater, com ajuste digital de som nos modos rock, jazz, classic, concert e, claro, drama, a depender do meu humor. Além disso, os canais pegam todos os ângulos. Uma emoção só!

Quis evitar teus olhos
Mas não pude reagir
Fico à vontade então
Acho que é bobagem
A mania de fingir
Negando a intenção
(...)
Quando um certo alguém
Desperta o sentimento
É melhor não resistir
E se entregar


blá, blá, blá...

quinta-feira, 18 de novembro de 2004

Querido Papai Noel

Como já tinha avisado no ano passado, dessa vez não vou lhe enviar a tradicional cartinha. Vou fazer melhor. Acredito piamente que temos que usar e abusar da tecnologia no momento em que ela facilita enormemente a nossa comunicação. Portanto, me reservo ao direito de usar o espaço de meu tio para te dizer que este ano me comportei como um anjo. Acredite em mim. Aliás, mereço um troféu por isso. Tenho três anos e muita energia. O senhor, sábio como é, deve entender. Mas, não se preocupe: adianto que o presente que vou te pedir já está de bom grado. O troféu eu dispenso.

A verdade é que desde que eu soube que o senhor viria me visitar que eu reforcei, principalmente na frente de minha mãe e conhecidos, os meus bons modos. Não estou correndo tanto assim, almoço quando minha mãe me chama, tomo banho sem reclamar, durmo na hora certa. E aqui entre nós, prometo não chorar mais de mentirinha. Eu sei que me faço as vezes de ator, mas... quem não chora não mama, não é? Hehe! É brincadeirinha... Também prometo não gritar de manhã cedo, nem mexer nas coisas de meu tio Dhan quando for na casa dele. Nem quebrar nada. Nem riscar seus papéis. Nem sujar a parede. Enfim, ficarei quieto e silencioso como o cágado Enrique lá da cada do vô.

Aliás, eu posso te pedir duas coisas? faça com que as pessoas parem de pegar na minha buchecha. Ela não é domínio público e eu não tenho culpa de tê-la. Basta! Outra coisa: eu não agüento mais ver o Rei Leão e não agüento mais o povo me pedindo para imitar Simba. Já bastou eu ter me vestido de leãozinho na minha festa de aniversário, embora tenha fica lindo, diga-se. Hehe! Ah, quase já ia me esquecendo: pode perguntar para a Tia Carla como estou na escolinha. O que eu faço lá já pode ser considerado como uma prévia de como será meu futuro boletim: todo azul. Enfim... acho que já dei provas suficientes de meu esforço em me comportar bem. Agora... sobre o meu pedido: Queria uma bicicleta prata. Não é branca, nem cinza: é prata. Ah, e quando vier daí do pólo norte traz para meu tio alguns potes de Haagen-Dazs. Ele vai a-do-rar. Se comportou muito bem, também. Ano passado eu não te vi, heim? Este ano faço questão.

Um forte abraço,

Rafael


Bonus
Chega a época de Natal e certos monstrinhos modificam completamente o comportamento. Você, simplesmente, não os reconhece. É a homenagem que faço a essa época, momento único para lidar com crianças. Eu aproveito até a última gota. hehe!

terça-feira, 16 de novembro de 2004

Melodrama Noir

Até que enfim entrou em cartaz, nos cinemas brasileiros, o filme Má Educação (La Mala Educación), do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, inegavelmente um dos mais interessantes diretores de cinema e personagens da atualidade, na minha opinião. Não agüentava mais esperar! Assisti no domingo, no Bahiano. E pela quantidade de textos que já li hoje sobre o filme, posso afirmar que a película tocou muita gente. E é aquela coisa: Almodóvar não provoca meio-termo - ou você gosta do que vê ou não gosta. E só por isso já vale o ingresso - o meu me custou R$ 7.

A verdade é que, inicialmente, esperei ver um filme de denúncia ao abuso infantil cometido por um padre católico, assunto tão em voga hoje em dia e que causou uma polêmica daquelas antes da estréia do filme. Não é. É um trabalho provocativo na medida certa e inteligente. Mais: as reviravoltas da trama permitem que Almodóvar passe por temas como a ganância, a vingança, o ódio, o erotismo, as drogas, além, é claro, da pedofilia e da religião. E, na minha leitura, Má Educação, mostra, antes de tudo, o sexo como um instrumento de poder, muito mais que uma expressão de amor.

Abuso sexual com tintura almodovariana

É um filme muito íntimo, mas não é autobiográfico. Não falo de minha vida no colégio (...). Obviamente minhas memórias foram importantes na hora de escrever o roteiro, já que vivi nos locais e momentos onde a história se passa. ‘Má Educação’ não é um ajuste de contas com os padres que me educaram mal, nem com a Igreja em geral. Caso tivesse necessidade de me vingar, não teria esperado quarenta anos para fazê-lo. A Igreja não me interessa, nem como adversária. O filme não é uma comédia, ainda que haja humor nem um musical infantil, ainda que crianças cantem. É um film noir, ou, pelo menos, gostaria de considerá-lo assim. O gênero noir admite bem a mistura com outros gêneros, sempre que a narração respire esse ar fatal, sem o qual o negro (noir) seria cinza. No noir pode não haver polícia nem armas, nem sequer violência física, mas tem de haver mentiras e fatalidade, qualidades que normalmente uma mulher encarna: a femme fatale. Ela é consciente de seu poder de sedução e é fria, razão pela qual não se altera facilmente. É alguém que perdeu os escrúpulos e não se interessa em recuperá-los. Para ela, o sexo não é fonte de prazer e sim de dor para os demais. Em ‘Má Educação’, a femme fatale é um enfant terrible, o personagem interpretado por Gael Garcia Bernal”, disse.

E, convenhamos: Almodóvar é, antes de tudo, um habilidoso contador de histórias e oferece ao espectador o prazer de acompanhar a trama sob múltiplos ângulos, criando inclusive armadilhas. A história é a seguinte: Quando criança, no início da década de 60, Ignacio (Gael Garcia Bernal) estudava em um colégio interno católico. Lá ele sofreu abusos sexuais por parte de seu professor de Literatura, o padre Manolo (Daniel Gimenez Cacho), que marcaram sua vida para sempre. Ainda criança, Ignacio se apaixona por um colega do colégio, Enrique (Fele Martínez). Juntos, conhecem o amor, o cinema e o medo. Vinte anos mais tarde, os três personagens voltam a se encontrar e colocam suas angústias, frustrações e traumas em cima da mesa. Mas ainda há Juan, irmão de Ignácio, que conhece os outros dois, e que será o responsável pelas grandes reviravoltas da história.

Gael, o pequeno notável, e Almodóvar com os erezinhos

Ainda não tenho uma conclusão sobre o filme. O que é certo ou errado. Mas, faz pensar. Aliás, qualquer filme que faz com que você saia da sala de exibição pensando sobre ele ( em vez de pensar onde vai comer ou o que vai fazer quando chegar em casa) vale a pena. A razão do título do filme, segundo o diretor, baseou-se na educação que ele e outros espanhóis, mesmo de gerações anteriores, receberam, fundada no medo, no castigo, no sentimento de culpa. Para Almodóvar, “a educação perfeita para psicopatas. É um milagre que eu tenha crescido normal!”

Acho Almodóvar tão intrigante e interessante que ele seria meu objeto de estudo no meu projeto de graduação. Na verdade, queria estudar o melodrama na obra do cineasta, principalmente depois de ter assistido Maus Hábitos e A Lei do Desejo. Óbvio que não deu certo. Eu era maluco sem noção e a minha orientadora uma insana irresponsável. Mudei a tempo, de tema e de orientadora.

sexta-feira, 12 de novembro de 2004

Reflexão # 8

Estão vendo esta foto aí em baixo? É da praia de Itapuã, aqui em EsseEsseÁ. Raramente vou nessa praia, embora goste de dar as caras por lá vez em quando. É looonge... mas é linda!. Costumo frequentar outra, de águas mais calmas e areia badalada(íssima), principalmente no verão baiano, que já começou, naturalmente. Agora, advinha onde estarei nesse feriadão de Proclamação da República, em homenagem àquele que tinha perna fina e bunda seca?


Um velho calção de banho, (nem calção, nem velho. Sunga, pelo amor de Deus!)
O dia pra vadiar,
Um mar que não tem tamanho
E um arco-íris no ar.


Depois, na praça Caymmi,
Sentir preguiça no corpo, (sim, sim!!!)
Em uma esteira de vime
Beber uma água de côco,
(Uma é pouca!)
É bom.

Passar uma tarde em Itapoã,
Ao sol que arde em Itapoã,
Ouvindo o mar de Itapoã,
Falar de amor em Itapoã.


Enquanto o mar inaugura
Um verde novinho em folha,
Argumentar com doçura
Com uma cachaça de rolha.

E com olhar esquecido
No encontro de céu e mar,
Bem devagar ir sentindo

A terra toda a rodar, (fico tonto!)
É bom.
(...)

Depois sentir o arrepio
Do vento que a noite traz,
E o diz-que-diz-que macio
Que brota dos coqueirais.


E nos espaços serenos
Sem ontem, nem amanhã,
Dormir nos braços morenos
Da lua de Itapoã,
(só da lua?)
É bom.
(...)
Tarde em Itapuã, de Vinícius de Moraes e Toquinho.

quarta-feira, 10 de novembro de 2004

Você está demitido!

Ontem, assisti ao “O Aprendiz”, reality show que estreou na semana passada na Record e está sendo exibido pela emissora às terças e quintas a partir das 22h. Comandado pelo empresário e publicitário Roberto Justus - aquele que encantou (pegou), entre outras, Adriane Galisteu e Eliana, ele é baseado em um dos programas de maior audiência nos EUA neste ano, o “The Apprentice”. Lá, o show é apresentado por um dos homens mais ricos da América, Donald Trump: o milionário com o pior penteado do planeta.

Um resumo básico: "O Aprendiz" reúne um grupo de 16 participantes, oito homens e oito mulheres, que competem por um cargo em uma das empresas do próprio apresentador. O vencedor terá um contrato de um ano, onde receberá um salário R$ 250 mil nesse período. No programa, eles participam de tarefas que envolvem vários aspectos do mundo empresarial, como: vendas, marketing, promoções, ações beneficentes, negócios imobiliários, finanças, publicidade e gerenciamento, além de administração de bens e realização de eventos. Mesmo com a presença aqui e acolá de alguns termos não muito conhecidos pela maioria dos telespectadores, como, por exemplo, briefing e market share, a dinâmica do programa é bem palatável.

- Somos tratados como cão sem dono, sabe?...Temida sala da diretoria

No entanto, o ponto alto se dá quando a equipe perdedora apresenta-se à sala da diretoria, onde Justus anuncia a demissão de um deles. Até onte, a equipe feminina perdeu duas vezes. Justus é implacável. Se eu não soubesse que, na vida real, as reações e acusações comuns a esse momento não são muito diferentes, ficaria constrangido. Mas fiquei. Claro que para cair no patético e cafona é daqui para ali. Mas, apesar de toda mise en sène necessária a um programa de televisão, não da para não comparar com as famigeradas dinâmicas de grupo aplicadas pelas empresas para seus candidatos, principalmente para uma seleção de trainee, ou qualquer seleção, na verdade.

Afinal, se você pensar que, no Brasil, conseguir um emprego “qualquer-coisa-pelo-amor-de-Deus” transformou-se no sonho de grande parte da população - em especial EsseEsseÁ, que tem a maior taxa de desemprego do país, de acordo com o DIEESE - você imaginará o que uma pessoa é capaz de fazer para “garantir” o seu lugar ao sol. A situação é tão complicada que, atualmente, conseguir uma vaga para estágio ou trainee está mais disputado do que passar no Vestibular.

“O aprendiz” dá gás novo ao já surrado formato dos reality shows da TV brasileira. Saem de cena os competidores com músculos – e curvas – demais. Desaparecem os participantes com cérebro – e roupas – de menos. Quem entra na disputa são jovens com formação superior (há um engenheiro, uma publicitária, um advogado...), educados, bem vestidos e que, aleluia, falam corretamente a língua portuguesa. Nada, portanto, de gritos como “U-hu!”, “Caraca!” ou “Fala sério!” no ouvido do espectador. “O aprendiz” aposta na inteligência dos participantes e não em sua burrice, como costuma acontecer nas atrações do gênero – como no caso de “Sem Saída”, da mesma Record. A sensação é de alívio”, diz Marcelo Camacho em artigo publicado no site No Mínimo.

"A vida é dura... mas o dinheiro compensa", pensa participante americano

O programa dá margem a várias análises. A mais evidente para mim é a questão da competição levada ao extremo. É o capitalismo em estado bruto, onde “não há espaço para fracos”. Ressalte-se que o “fraco” aqui está entre os incluídos. Aqueles que conseguem fazer MBA na FGV ou ESPM, viajam ao exterior, lêem as revistas de auto-ajuda da Abril, como Exame e Você S/A. Os excluídos – aqueles sem educação, sem acesso a informação ou internet, sem saneamento, ora bolas! - ou cerca de 100 milhões de brasileiros (ou mais), não contam.

Aliás, um detalhe ficou muito visível no episódio de ontem: a demissão não se dá pela falta de qualificação do profissional (os currículos são excelentes) mas, principalmente, pelo seu relacionamento interpessoal. É a questão: qualificação todo mundo tem (estou falando dos incluídos, heim?!), mas um detalhe fará a diferença. É a era das competências. Não adianta contratar o Super Homem, se você busca alguém para trabalhar com kriptonita. Alguns dizem que relacionamento interpessoal é a sua capacidade de formar “panelinhas”, hehe! Brincadeiras à parte, outro aspecto que me chamou a atenção foi a diversidade de candidatos. Quer dizer, a ausência dela, ao contrário da versão americana, onde se vê negros disputando o cargo. Enfim...

Mas, o mais engraçado é que a EssePê que aparece na abertura do programa assume a sua cara de metrópole e faz o Rrrrio parecer uma vila e EsseEsseÁ um baleneário. Quem quer fugir desse clima maquiavélico, é melhor nem assistir. Não vale a pena se estressar.

Bônus Track
Já que o texto fala em competição, capitalismo, relação interpessoal, aqui vão algumas técnicas de negociação que os compradores de uma rede multinacional de supermercados estabelecida aqui no Brasil ainda usam nos dias de hoje. Acreditem, é real. E,essas são as mais leves, heim!!

1) Considere o vendedor como nosso inimigo número 1.
2) Seja inteligente, finja-se de idiota.
3) Não tenha dó do vendedor, jogue o jogo dos maus.
4) Não hesite em usar argumentos, mesmo que sejam falsos.
5) Desestabilize o vendedor exigindo coisas impossíveis.

Bonus Track 2
(...) Eu queria ter na vida simplesmente
um lugar de mato verde pra plantar e pra colher
ter uma casinha branca de varanda
um quintal e uma janela só pra ver o sol nascer"

Casinha Branca, de Gilson e Joram.

Tá bom, tá bom... essa casinha tem que ser no centro de uma metrópole, com internet, e cinema, e teatro, e música, e pizza delivery. Quis fazer um contraponto a essa disputa desumana que é o capitalismo, mas acabo de me denunciar: eu não sei viver no mato.

segunda-feira, 8 de novembro de 2004

Agora só falta você!

Ou: Olha só, ele usa maquiagem... mas não é gay, viu? Não é!

Quem nunca ouviu falar de metrossexual que levante o dedo. Agora, aqueles que já estão escolados no assunto, podem levantar também o dedo, só que o médio, como eu, que já estou cheio. E digo isso porque, mais do que um “novo homem”, o metrossexual é, na verdade, um segmento e um conceito frágil. E, quando alguém quer ganhar dinheiro com uma “tendência”, hum!, saia de baixo: uma lavagem cerebral está a caminho.

A perfumaria característica é: homem que vive nas grandes cidades, com idade superior a 25 anos, heterossexual, bem-sucedido, refinado, moderno, gentil e bem-humorado. O que está por trás é: homens tapados, cheios de valores que não fazem mais sentido numa sociedade onde o feminino está se sobrepondo, deixem essa história de lado, acordem e consumam outras coisas além de carro e eletrônicos! A frase que seria adequada a esse momento seria: “Agora, só falta você!”, como diria a Rita Lee. Hehe!

Desde que as mulheres saíram de dentro de casa e começaram a ter alguma influência na sociedade patriarcal judaico-cristã, principalmente assumindo atividades antes típicas de homens, como posições de comando, que eles não estão sabendo para onde ir ou o que fazer consigo mesmos. Não sabem qual é o seu lugar, onde aplicar a força, de que forma mostrar sua virilidade. Estão enredados em valores culturalmente estabelecidos que estão sendo postos em xeque, e caindo um a um, apesar da gritaria do Vaticano.

E qual é o papel do masculino numa sociedade em que o emocional está tomando o espaço do físico e da racionalidade? Não sei. Mas, já existem dezenas de livros de auto-ajuda tentando dizer alguma coisa a esse respeito. Em função disso, o que mais impressiona nessa histeria fortemente financiada pela indústria de cosméticos, confecções e acessórios é a separação que deve ficar clara na mente das pessoas: Metrossexual não é gay. Do tipo, “olha só: ele usa maquiagem... mas não é gay, viu? Não é!”. “Vê, ele joga bola. É verdade que a unha tá pintada, mas ele joga bola” Afinal, é preciso convencer o macho adulto branco que ele pode, sim, ir às compras sozinho.

Os gays já consomem. E, nesse caso, o consumo é uma forma de se auto-afirmarem, mesmo que para isso reproduzam idéias e pensamentos da sociedade que os discrimina. Ao consumir, é como se estivessem querendo limpar a suposta sujeira que é a Homossexualidade, se inserir, aderindo a valores que a sociedade consagra, no caso, roupas caras, lugares da moda, parceiros bonitos e de pele clara, carros, viagens, etcetera. Os negros, também. Ganharam visibilidade a partir do momento em que se tornaram rentáveis. Hoje, existe uma gama de produtos específicos nas prateleiras dos supermercados. E não foi necessário fazer muito esforço para convence-los a comprar.

E, aí, só faltava quem? Os homens. Eles precisam aderir às indústrias que mais crescem atualmente: a de cosméticos e a de moda. O tal "agora só falta você", inclusive, não tem dado, ultimamente, muito espaço ao macho adulto branco. No programa "Queer Eye for the Straight Guy", uma equipe de homossexuais estilosos se empenha em ensinar sofisticação e boas maneiras a típicos grosseirões heterossexuais. A reação, seguindo a fórmula que deu sucesso ao reality show de bibas, está vindo em "Straight Plan for the Gay Man’, onde quatro ‘machões’ fazem de tudo para camuflar temporariamente trejeitos e gestos estereotipados de voluntários gays. Essas "tranformações", inicialmente divertidas, têm irritado muita gente.

Uma questão de atitude

A questão é: o termo pegou e está dando certo. Os principais garotos propagandas estão sendo os jogadores de futebol e astros do rock. Nada mais viril. O discurso agora é que homem com H já pode comprar e se servir de “coisas” antes consideradas femininas, como o blush da grife Jean Paul Gautier.

Pois bem: eu digo que muito mais do que David Beckham, homens extremamente arrojados em sua “nova” aparência são os jovens da periferia de EsseEsseÁ. Estão anos luz à frente da classe média abastada. Eles fazem a sobrancelha à la Marlene Dietrich, pintam o cabelo, depilam os pêlos, vestem-se com roupas coloridíssimas que, se qualquer gay se atrevesse a usar seria linchado, e ainda pegam as mulé nos shows de pagode e arrocha. Uma questão de atitude.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Americanos

Bem... ontem, os americanos fizeram a sua parte. Mas, sem reclamação, tá, gente. O que podemos dizer de um evento em que praticamente o mundo inteiro quis participar, mas só eles tinham o direito? Resultado: eles agiram como típicos americanos. Ah! Sabem da letra de Caetano Veloso chamada Americanos? Ela me impressionou muito quando escutei pela primeira vez há alguns anos. Principalmente pelo último verso, que acho genial.

(...)
Americanos são muito estatísticos
Têm gestos nítidos e sorrisos límpidos
Olhos de brilho penetrante que vão fundo
No que olham, mas não no próprio fundo

Os americanos representam grande parte
Da alegria existente neste mundo

Para os americanos branco é branco, preto é preto (e a mulata não é a tal)
Bicha é bicha, macho é macho
Mulher é mulher e dinheiro é dinheiro

E assim ganham-se, barganham-se, perdem-se
Cocedem-se, conquistam-se direitos
Enquanto aqui embaixo a indefinição é o regime

E dançamos com uma graça cujo segredo nem eu mesmo sei
Entre a delícia e a desgraça
Entre o monstruoso e o sublime

Americanos não são americanos
São velhos homens humanos
Chegando, passando, atravessando
São tipicamente americanos

Americanos sentem que algo se perdeu
Algo se quebrou, está se quebrando

segunda-feira, 1 de novembro de 2004

Grandissíssimo filho de uma p#%@

Tinha preparado um texto e ele misteriosamente sumiu. De-sa-pa-re-ceu, entende? Estou chocado, desalentado, me sentindo um trapo de gente. Já bati, já xinguei, já esperneei. Também já mudei de tática, acariciando, prometendo beijos e fazendo juras de amor para ele, mas nada. Durma com essa...

Alguma coisa agora aqui só depois do feriado (mais um), já em ritmo de horário de verão. Meus pêsames aos meus amigos do sul... Ops, ou não. Afinal, tem gente que gosta. Dez estados brasileiros participarão do importantíssimo horário de verão, que contribui significativamente para a redução do consumo de energia deste imponente país.

A Bahia, que era o único estado nordestino a utilizar o horário, pulou fora disso no ano passado. Não cheirou nem fedeu. Mas aí veio uma nova reclamação do eterno insatisfeito baiano (comida, tempo, temperaturda do mar e trabalho, entre outros, são motivos de poderosas pragas...), praticamente um castigo como consequência de não acompanhar, tradicionalmente, o "resto do país": bancos, vôos e, principalmente, programação de TV agora são mais cedos. Eu pergunto: Adiantou? Heim, computador de merda?? Responde, bastardo!!!