sexta-feira, 29 de outubro de 2004

Reflexão # 7

Haverá na face de todos um profundo assombro
na face de alguns risos sutis cheios de reserva
Muitos se reunirão em lugares desertos
E falarão em voz baixa em novos possíveis milagres
Como se o milagre tivesse realmente se realizado
Muitos sentirão alegria
Porque deles é o primeiro milagre
E darão o óbolo do fariseu com ares humildes
Muitos não compreenderão
Porque suas inteligências vão somente até os processos
E já existem nos processos tantas dificuldades...
Alguns verão e julgarão com a alma
Outros verão e julgarão com a alma que eles não têm
Ouvirão apenas dizer...
Será belo e será ridículo
Haverá quem mude como os ventos
E haverá quem permaneça na pureza dos rochedos
No meio de todos eu ouvirei calado e atento, comovido e risonho
Escutando verdades e mentiras
Mas não dizendo nada
Só a alegria de alguns compreenderem bastará
Porque tudo aconteceu para que eles compreendessem
Que as águas mais turvas contêm às vezes as pérolas mais belas
Acontecimento, de Vinícius de Moraes

Aos amigos. Quantas referências, heim? Chego até a me perder.

quinta-feira, 28 de outubro de 2004

Filho da lua

Em homenagem aos enluarados, lunáticos e àqueles que nasceram com o cu virado pra ela. Também aos românticos loucos, desvairados, limpos e pirados que pensam que o outro é o paraíso.

Não está sentindo?
Não?
Pois então venha ver, por favor...
Venha, deixe de preguiça.
Ela está me observando...
Olhe como ela está lá, parada, quieta, silenciosa, só aguardando a minha presença. Tem dias que ela só faz isso: espiar, mas hoje é um grande olho no céu. São nesses dias que ela quer me ver inteiro, quer me encontrar, e eu sinto isso. Sei também que me acompanha a todo o momento, mesmo de dia e isso é grandioso, não percebe?

Veja como eu faço: primeiro, fico aqui atrás dessa cortina daqui da sala e olho meio escondido para ela, porque tenho que ir me mostrando aos poucos, sabe? e, ao mesmo tempo, tomar coragem. Gosto dessas cortinas transparentes porque quando passo por elas parece que estou rompendo com algo, nascendo de novo. Acho que de mim mesmo. Depois, separo as partes do pano com as mãos na altura da cintura e vou abrindo, dou mais um passo e então eu fico completamente iluminado. A cabeça é a última a sair. Pronto! Ah, como é bom abrir os braços, fechar os olhos e senti-la brilhante. Sim, sim, é isso! Abro os olhos devagar e a vejo de frente.
Venha ver como ela se mostra, chegue aqui até a varanda...
Não fique com timidez, venha aqui só dar uma espiada. Sei que você pode me ver por detrás dessa cortina, estou iluminado e é dia para mim, mas eu não posso te ver, aí dentro é muito escuro, e eu quero olhar seu rosto.
Que horas são? Onze horas? Parece dia, não? Agora, me diga: quem precisa de sol quando ela está conosco o tempo todo e aquele que habita nela nos protege em qualquer momento, ainda mais nos de desespero?
Não, não vá embora, fique comigo, espere!

Você é meu sol, sabia?
Me dê um beijo... preciso que você fique junto de mim, mais que isso... Queria tanto que você ficasse aqui comigo e sentisse o que eu sinto...
Pena que você prefira ficar aí, bebendo...
Mentira! Não é nada disso. Não é apenas “a lua”. Venha comigo que eu te ensino que não é só isso e, por favor, não fique falando que não vai ser possível. Respondo que é possível, sim, e não custa nada.
Repare bem: ouça o seu som; feche os olhos...
É tão profundo e claro, tão morno...
Por acaso, você gosta de calor? O quê? Adora!
Não, o calor é intranqüilo. Nunca percebeu que você sempre precisa de algo no calor? Água, carne, falta...
Veja como a noite está estrelada, parece uma reverência. Se lembra de sua mãe te embalando quando você era criança?
Não?

Quer descer um pouco e ir até aquele barco ali na praia? Venha, não vai lhe custar nada, vamos descer por essas escadas de pedra e andaremos pela areia descalços até o barco. Juntos.
Que bom que você vem comigo, normalmente venho aqui sozinho. Às vezes, choro na beira do mar pela minha alma, por isso que ela fica ansiosa ao me ver. A lua gosta disso, ela dá abrigo aos amantes, loucos e órfãos.
Suas mãos são tão macias e confiantes...
Chegamos ao nosso pequeno barco de madeira chamado Neil Armstrong.
Pronto, suba.
Não tenha medo...
Agora, vou remar só um pouco.
Calma... Só mais um pouco, é preciso.
Veja como está clara a lua. Toque no mar, sinta como a água é morna e as ondas nos embala. Agora, sinta a luz dela no mar, parece uma trilha...
Sei que não é dela.
Por favor, dê um tempo de si. Faça isso por mim e por você, ta legal?
Tão calma a noite, não acha? Agora, se lembra de sua mãe te embalando? Ela cantava alguma música para você? Feche os olhos, sinta a luz da lua e ouça o som do mar. Eu estarei aqui sempre com você... sempre. Não tenha medo.
Não! Eu não vou fazer nada, já disse.
Confie em mim.
Me beije.

Você cresceu demais, sabia? Agora feche os olhos novamente e sinta.
Calma... Respire fundo. Sinta o seu poder... Luz sem calor. Não é maravilhoso isso? O que você está vendo?
O mundo parece estar maior?
Mas, mesmo assim, você não consegue ver nada? Você viaja rápido, sabia?
Não, não estou brincando com você! Por favor, não quebre o encanto, relaxe, sinta a sua presença... o seu feitiço.
Quer ir para algum lugar? Faço o que você quiser. Sempre fiz, você sabe disso. Podemos seguir essa trilha.
A sua resposta é essa?
Quer morar lá?
Não me leve a mal, mas não podemos ir para lá. Ela está aqui, não se preocupe. Sinta o mar... Tão grande.
Veja! Não parece que ela desenhou um caminho para nós seguirmos?
Você está rindo, é?
Quer ir?
Não, não sou nenhum maluco. Sou seu filho. Sou um filho da lua, compreende?

terça-feira, 26 de outubro de 2004

As eleições estão próximas...

Falta pouco, falta muito pouco para sabermos quem será o vencedor dessa eleição. O medo vencerá a esperança? Espero que não, embora algo me diga que vai sim... Vai vencer. Não, não estou falando de EsseEsseÁ, onde, felizmente, a eleição já está praticamente definida: o candidato de ACM será derrotado de lavada. Pelo menos isso. Falo, na verdade, das eleições americanas. O mundo espera com apreensão e preocupação o que os patrióticos americanos vai lhe dar de presente para os próximos quatro anos. Na próxima terça-feira, 02 de novembro, dia de Finados no Brasil, a América saberá quem será o seu novo Presidente. E nós também.

Na última pesquisa, divulgada ontem pelo jornal USA Today em conjunto com a rede de TV CNN e pelo Instituto de pesquisa Gallup, 51% dos entrevistados disseram que votarão em Bush, contra 46% disseram preferir Kerry. Apesar de ser uma referência em Democracia, a eleição americana é, no mínimo, esquisita. O presidente e o vice-presidente não são escolhidos diretamente pelos eleitores, mas por Delegados que formam um Colégio Eleitoral. Para entender esse negócio ininteligível para clique aqui.
Já em outra consulta, essa realizada pela revista Radio Times, da BBC, sobre os favoritos do público da Grã-Bretanha para a presidência dos Estados Unidos, o patriarca de Os Simpsons, Homer Simpson, ficou em primeiro lugar. Na pesquisa, os britânicos votaram em candidatos personagens de programas da televisão americana. Nada como o humor inglês, não?

A apreensão e preocupação com um segundo mandato de George W. Bush, ou Pink, é tão grande que ontem a revista norte-americana The New Yorker declarou seu apoio à candidatura do democrata John Kerry. Pode não ser nada, mas é a primeira vez que a publicação, uma das mais prestigiosas dos EUA, recomenda abertamente o voto num candidato a presidente. A revista se juntou a outros importantes veículos de imprensa do país, como os jornais The Washington Post e The New York Times, que já haviam declarado apoio ao oponente do presidente George W. Bush.

De acordo com a revista, o atual presidente dos EUA reagiu de forma inadequada aos ataques de 11 de setembro, mentiu ao apresentar as justificativas para a guerra do Iraque e não apresenta boas propostas para as principais necessidades do país. No caso da guerra do Iraque, o New Yorker afirma, por exemplo, que as razões alegadas pelo presidente para invadir o país não existiam. Entre elas, o fato do Iraque possuir armas de destruição em massa, o que nunca foi comprovado.

Mas, parece que nada disso muda a opinião do americano médio. Nem produtos culturais, como Farenheit 11/9, nem soldados que torturam e abusam de prisioneiros de guerra, nem o desaparecimento de cerca de 350 toneladas de explosivos do Iraque. Enquanto a casa estiver limpa, o resto que se dane para eles. Aliás, uma recomendação: tenham medo dos americanos que vivem fora dos grandes centros urbanos. Eles não gostam de estranhos.

segunda-feira, 25 de outubro de 2004

- Tomô?

Mesmo com a torcida, a máquina, a pista e a pole-position a seu favor, o piloto brasileiro Rubens Barrichello ficou com o terceiro lugar na corrida do GP do Brasil. Schumacher, seu companheiro de escuderia, eternamente culpado pelas derrotas de Rubinho, saiu na penúltima fila e terminou em sétimo. O colombiano Montoya venceu.

Rubinho: - É a minha cara, não é minha gente?
Schumacher: - Até quando eu tenho que aguentar esse zé mané?. Tomô?

E, na falta de um piloto que vibrasse a torcida, Gisele "quero muito dinheiro" Bündchen fechou em Interlagos. Só deu ela.

sexta-feira, 22 de outubro de 2004

Musa


Sei lá, entende?

Música de agora em alguma rádio FM não identificada: Ainda bem, cantada por Vanessa da Mata.

Ainda bem
Que você vive comigo
Porque se não
Como seria essa vida
Sei lá
Nos dias frios em que nos estamos juntos
Nos abraçamos sob o nosso conforto de amar

Se há dores tudo fica mais fácil
Seu rosto silencia e faz parar
As flores que me manda são fato do nosso cuidado e entrega
Meus beijos sem os seus não daria
Os dias chegariam sem paixão
Meu corpo sem o seu uma parte
Seria ao acaso e não sorte

Neste mundo de tantos anos
Entre tantos outros
Que sorte a nossa hein?
Entre tantas paixões
Este encontro
Nós dois, este amor

quinta-feira, 21 de outubro de 2004

Perdas e Ganhos - Parte I

Ou: Sinais.

Eu sempre digo para mim mesmo para não me apegar aos bens materiais. Mas eles não me deixam. Não querem separação. Voltam. (Ainda bem).

Na terça-feira, por duas vezes minha carteira quis se separar de mim. Na primeira delas, eu estava a caminho do trabalho e esqueci no carro de uma amiga minha. Aconteceu que, quando fechei a porta do veículo, me lembrei que faltava algo. “Ai, meu Deus!”, disse. Eu tenho um problema sério: uma das minhas manias é que eu coloco, quando sento, a carteira entre as pernas e não no bolso de trás como todo mundo. Tsc, tsc... Apenas no final do dia foi que percebi que deveria prestar mais atenção aos sinais. Buuuu! Se não, vejamos:

À tarde, não teve jeito. (Vou logo pro final: à la Tarantino hehe). Fui parar em uma delegacia para fazer um boletim de ocorrência pela perda da carteira. Explico: é que depois do almoço tive que fazer um trabalho externo. Para matar o tempo, dei uma passada na biblioteca Juracy Magalhães, no Rio Vermelho, bairro boêmio, conhecido pela festa de Yemanjá e por ser o point das mais famosas baianas de acarajé de EsseEsseÁ. O prédio fica debruçado sobre o mar da Bahia, uma maravilha... Bem... Em vez de ir para a seção de periódicos (pra quê?), fui para a de pesquisa, por curiosidade. Peguei um livro lá e comecei a ler. Apesar dos olhares curiosos das criancitas e teenagers (eu era o único adulto da sala. Digo assim: com mais de 20 anos, entende?), consegui me concentrar na leitura. Chegou o meu horário, fui embora.

De repente, mexo na minha pasta e não encontro a bendita. “Fudeu, perdi minha carteira. Merda!”. Volto para a biblioteca e procuro a caríssima: ninguém viu. Então, enquanto olhava para o segurança, que provavelmente esperava uma reação minha, me perguntei se eu deveria fazer algum escândalo, um pitti à la Caetano Veloso, ou não. Optei pela segunda alternativa baseado, evidentemente, em dois argumentos: (1) fui eu quem esqueceu e, (2) estava com preguiça. Não estava a fim de me estressar. Resultado: dei meu contato para o segurança e para a bibliotecária da seção de pesquisa sem drama, sem cena, (se o mundo acabasse na terça-feira, eu não faria nem drama, nem cena. Eu estava totalmente pragmático) e fui para a delegacia, imaginando todo o contratempo que teria para obter todos os documentos novamente, principalmente a carteira de meia-entrada, de longe o doc mais importante.

No caminho da delegacia, mais um outro questionamento, dessa vez uma questão de proteger-me contra o ridículo: se devo dizer que eu perdi a carteira ou se fui furtado. Uma dúvida cruel. Bem... entrei em contato com os simpáticos agentes policiais, que me pediram para “aguardar”. Meia hora depois, enquanto eu ainda “aguardava”, recebo uma ligação. Uma mulher chamada Letícia diz “encontramos sua carteira”. “Ai, que alívio”. Quando retorno à biblioteca, uma comissão com umas dez pessoas (todas mulheres, a maioria senhoras) me esperava para devolver minha wallet. Foi hilário, se não fosse a cara de seriedade das meninas da Juracy Magalhães. Parecia um jogral, cada uma dizia uma frase: “Que sorte, heim?”, “a carteira estava na cadeira”, “você deve ter sentado em cima dela”, “tome mais cuidado”, “desculpa, mas tivemos que abrir para ver se tinha alguma identificação sua”, “veja se está faltando alguma coisa”, “que sorte, heim?”, etc... Enfim, todas fofas. Me senti como se tivesse seis anos de idade.

Ei, não sou esquecido. Tenho memória afiada, mas para outras coisas. Acho que esses acessórios devem vir com corrente ou um sistema de apito. Só para lembrar... hehe. Esse episódio me lembrou uma outra história extremamente com toques de nonsense, que me fez ver concretamente que EsseEsseÁ é uma praça. Mas isso eu conto depois...

segunda-feira, 18 de outubro de 2004

Vida de nego é difícil, é difícil como o quê...

Ou: Ela voltou. De novo. Para novas gerações

Dizer que novela faz parte da cultura nacional não é novidade alguma. Goste-se ou não, o gênero mobiliza grande parte dos televisores e conquista as mentes (!?) e os corações dos brasileiros durante meses. Pode ser nonsense, surreal, mas alguns finais de novela chegam literalmente a parar o país. Mas o que dizer de uma que estreou antes de eu nascer, 1976, foi reprisada cinco vezes, a última em 1990, e que a partir de hoje tem início uma “nova versão”? Já sabem da qual estou falando, não?

- Me pega como Rubens de Falco pegava Lucélia Santos, vai!

quinta-feira, 14 de outubro de 2004

Dia da Criança

Enfim, chegou o dia das crianças. “Será que vou ganhar algum presente este ano?”, pensou Marquinhos, um menino capetinha de sete anos, no degrau da porta de casa. Estava sentado, com o queixo encostado nos joelhos, de cabeça baixa. Com um graveto fazia desenhos no passeio. Ao léu. Não pensava neles. Fungava. De vez em quando, passava as costas da mão pelos olhos molhados.

Ano passado - lembrou-se - foi brincar de fazer castelo num montinho de areia que havia em frente à sua casa. Ela estava em reforma. Na ocasião, brincou com seu amigo Pedrinho. Brigou também com ele. Pedrinho estava muito alegrinho para o seu gosto. Se bem que hoje em dia não se lembra mais o motivo da discussão. Recorda-se apenas que ficaram sem se falar durante uma semana. Bem, quando Marquinhos voltou para casa, nem perguntou pelo seu presente, que não veio. Não reclamou, não fez cara feia nem nada. Ficou quieto e comportou-se como se nada tivesse acontecido.

“Data mais besta”, resmungou para si mesmo, jogando o graveto fora. Passou a mão pelo rosto. Fungou. Pensou na professora Lílian: “Como é linda a pró Lílian. Será que vai aceitar se casar comigo? Um dia tomo coragem e falo com ela... Ela me entende. Disse na aula de sexta que o Dia das Crianças é uma data comercial como o Dia das Mães e o dos Pais. Que Dia da Criança é todo dia. Não entendi direito, mas como ela disse, deve ser certo o que ela falou. Mas por que todo mundo ganha presente e toda hora passa comercial na televisão? Pedrinho ganhou brinquedo no ano passado e daqui a pouco deve tá batendo aqui na porta. Não sei porque ainda não chegou... ele sabe muito bem que a gente marcou pra caçar lagartixa hoje... Vou chamar ele de Pedro Bó. Vai ficar retado: Lá vem o Pedro Bó! Pedro Bó! hehe... Festa boa mesmo é a de Natal na casa de Vó Jurema. E lá não tem essa gente besta fazendo pergunta difícil de responder. Ninguém pergunta nada. E lá eu ganho sempre presente...”.

“A Marta e Mônica acordaram hoje com bonequinhas na cama delas. Eu não quis nem saber... aquelas chatas. Eu não tô nem aí pra elas. Marta me disse que quem deu a boneca dela foi sua madrinha. Menina besta aquela ali. É minha irmã, mas é besta. Queria de Tia Bete fosse minha madrinha. Tia Bete é médica e pode me dar o que quiser. É um saco não ter madrinha nem padrinho. Meu Pai me disse que meu padrinho trabalha na Petrobrás, disse que é bom emprego. Mas aquele besta quase nunca me visita. Não sei porque Meu Pai me deu um padrinho como aquele. Se ele vier com aquela mãozinha querendo que eu peça a benção, eu viro a cara e saio correndo... ah, se saio. Minha Mãe vai me bater, mas eu não vou pedir a benção. Não vou. Quando perguntar o porquê, vou dizer que é porque ele não gosta de mim. Não me visita e só faz me perguntar se tiro nota boa e se vou passar de ano. Deus me perdoe, mas ele também é um besta.”

(...)

- Marquinhos, vamos comprar comida comigo. Troque de camisa.
- Já tô indo, Minha Mãe.
- Agora, viu?
“Minha Mãe tem que comprar comida todo dia. Trabalha com Meu Pai. Quando ele não está bêbado, até que a gente come no horário. Ele dá dinheiro pra ela. Quando eu casar com a pró Lílian não vou fazer assim... não tá certo”.
- Vamos, segure a sacola! Porque tá assim... tão quieto? Aprontou alguma por aí não foi?
- Ihhhh, Minha mãe.
- Deixe de coisa, menino.
“Gosto quando Minha Mãe faz bolinho de feijão e farinha: ela senta no sofá e divide a comida comigo, a Marta e a Mônica. Tomara que hoje ela faça isso. Fico triste e com vergonha porque eles não têm dinheiro para fazer a compra todo mês como Vó Jurema faz. Mas, mesmo assim, tenho orgulho de Minha Mãe”.

(...)

E lá se foram Teresa e seu filho para as compras "do dia". Já passava do meio-dia. Na volta, a mãe de Marquinhos parou com ele na lojinha de Dona Marisete.
- Tudo bem, Marisete. Quero um carrinho bem bonito pro Marquinhos – diz
Tereza. Enquanto fala, pisca pro filho e aperta a sua mão.
Dona Marisete põe no balcão um trenzinho à pilha hiper moderno e um carrinho de plástico com dois bonequinhos à la playmobil.
- Escolhe filho!
- Quanto custa esse trenzinho, heim?
- Vinte reais, Marquinhos. – disse Dona Marisete – É lindo, não é?
- É... e o carrinho?
- O carrinho custa seis reais.

“Nossa... e agora, qual eu vou escolher? Acho que vou levar o trenzinho. Nunca tive um brinquedo a pilha. O Pedrinho vai babar quando ver: - olha Pedro Bó meu brinquedo novo. Hehe. Mas é tão caro... Não, vou levar o carrinho. É maior e além disso custa menos... Mas o trem é tão bonito... Parece ser pesado. Se bem que eu vou querer desmontar. Eu desmonto todos os meus brinquedos. Minha mãe vai gastar uma grana com ele e eu vou quebrar. Não, não, vou levar o carrinho. Posso brincar à vontade com ele e com o dinheiro minha mãe não fica apertada.”
- Eu quero o carrinho – disse Marquinhos.
- Por que não quer o trem? – perguntou-lhe Teresa.
- Porque não dá sair correndo com ele.

Teresa sorriu. Dona Marisete sorriu. E Marquinhos correu pra pôr uma corda no carrinho e mostrar seu novo brinquedo para Pedrinho "Pedro Bó". "Acabei de dar um presente pra minha mãe... hehe", pensou.

O mundo é um moinho


quarta-feira, 13 de outubro de 2004

Heim?!

Bem, eu não acredito em horóscopo. Não desses diários de jornais e sites. Mas, de vez em quando dá uma vontade mórbida de ler algo que não te dirá nada e você não entenderá pn. Enfim, compartilho meu horóscopo de ontem e hoje. Rezem por mim.

"Em muitos casos, uma atitude simples e direta seria mais eficiente do que subterfúgios e artimanhas. Todavia, a sua natureza é inclinada a complicar, e assim corre o risco de perder uma ótima oportunidade".

"É divertido brincar mentalmente com os acontecimentos, entortá-los até transformá-los em coisas diferentes, porém nesse caminho a sua alma corre o risco de perder o fio da meada e perder-se na trama que ela mesma inventou"

Traduzindo: Ontem, eu era uma pessoa sórdida e complicada. Hoje, estou a ponto de me tornar um maluco. Então, o que eu posso dizer? - Cuidado, eu sou um perigo.

sexta-feira, 8 de outubro de 2004

Passamos como um rio...

... mas vale a pena cansarmo-nos, sim, Lídia

Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
(Enlacemos as mãos.)

Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
Mais longe que os deuses.

Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
E sem desassosegos grandes.

Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
E sempre iria ter ao mar.

Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
Ouvindo correr o rio e vendo-o.

Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
Pagãos inocentes da decadência.

Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
Nem fomos mais do que crianças.

E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
Pagã triste e com flores no regaço.


De Ricardo Reis

PS.: Enfim, pela primeira vez depois de Carnaval, vou curtir um feriado prolongado. A SEI - Síndrome de Escrava Isaura dá um tempo.

quinta-feira, 7 de outubro de 2004

O que rolar é bom

O clima romântico, de “namorandos”, tomará conta da Concha Acústica do Teatro Castro Alves neste sábado, 09. É que o alagoano Djavan Caetano Viana, de 55 anos, estará em EsseEsseÁ, apresentando o show “Vaidade”, baseado em seu último CD. Eu vou. Afinal, tenho que me retratar. Pelo menos, um pouco. Explico.

Embora reconhecesse a genuína elegância e aura de sofisticação em torno de Djavan, eu só o ouvia pontualmente. Achava um nhém, nhém, nhém fofo, mas sem fim. Não tinha paciência. Depois, quando, segundo meu primo, eu fui serenando, comecei a gostar mais.

Criador de melodias simples e marcantes e inventor de palavras e rimas inusitadas (com imagens pra lá de peculiares), Djavan compõe músicas que colam feito chiclete no ouvido. Além, é claro, de serem excelentes para situações do tipo “namorando”, um mela cueca básico, onde os corações ficam "amolecidos": tem coisa mais legal que ouvir “Outono” ou “Mal de mim” ou um sambinha do tipo “Flor de Liz”? Ai, ai... Agora, não toquem perto de mim “Oceano” ou “Meu bem querer”. É broxante. Odeio com todas as minhas forças.

Com 28 anos de carreira, Djavan já vendeu mais 8 milhões de discos. Mas, o engraçado é que o estilo do artista é extremamente copiado, principalmente pelos cantores de barzinhos. De acordo com uma reportagem da Veja de 19 de julho, baseada em dados da Ecad, órgão responsável pela arrecadação dos direitos autorais no país, Djavan foi o compositor mais executado em botecos e casas noturnas de música ao vivo nos últimos três anos. Deixa para trás figuras como Caetano Veloso e Chico Buarque. Ainda segundo a matéria, muitos dos que sobrevivem com a renda do couvert artístico não se limitam a interpretar as músicas de Djavan: clonam o ídolo por inteiro, dos cabelos cacheados à voz de falsete. Um deles já ficou famoso.

O CD Vaidade é o décimo sexto trabalho do cantor romântico, primeiro trabalho pela sua gravadora Luanda Records. O que vai ter no show? Sete ou oito músicas do disco novo e os hits básicos e indispensáveis. Espero sobreviver. Acompanhado.

PS.: Tem gente que está reclamando do preço do ingresso. Realmente, pagar cinquentinha para assistir show sentado em arquibancada de cimento da Concha ou em pé (porque sempre tem gente na sua frente disposta a impedir sua visão) é um roubo. Mas, como em EsseEsseÁ quase que não se tem notícia de alguém que não tenha meia-entrada, o show fecha por R$ 25. Mas a reclamação é justa. Afinal, algum cidadão honesto pode estar saindo perdendo.

segunda-feira, 4 de outubro de 2004

Eleição à la Gretchen

Eleição deveria ser um momento de reflexão, ocasião em que o povo brasileiro, tão sofrido e injustiçado, tem o poder de decidir, por meio do voto, o destino de sua cidade. Bem... deveria. Pelo menos na Bahia a tal obrigação, o tal dever cívico, se transformou em farra. Nos bairros mais populares (esses são os melhores para se cair na bagaceira), o que se viu foi um dia típico de festa de largo, ao som de arrocha/pagode e muita cerveja acompanhada de churrasquinho de gato. As praias ficaram lotadas. (Sim, sim, foi domingo. Mas o texto fica melhor se disser que as praias ficaram lotadas.) Então, vá lá: As praias ficaram lo-ta-das e o sol, escaldante. Resultado: a eleição salvou o domingo dele mesmo.

Eleição, pagode (arrocha) e cerveja em EsseEsseÁ. O povo no poder

Nesse sentido, não se viu um barzinho fechado em EsseEsseÁ ou alguém dentro de casa de banho-maria, esperando a segunda-feira chegar. E a Lei Seca? Heim? Os donos desses estabelecimentos e os consumidores alegavam tudo, principalmente o desconhecimento da lei com o ar mais inocente-cara-de-pau do mundo. Hoje, o dia é de ressaca na city.

Bem, essa foi a mais acirrada campanha eleitoral para a prefeitura da capital baiana. César Borges, do PFL, candidato de painho ACM, por pouco, ou mais especificamente, por cerca de três mil votos, não morre na praia. Derrotou Pelegrino, do PT, e está no segundo turno, onde enfrenta João Henrique (PDT), o grande vencedor da primeira fase. A barra vai ser pesadíssima: a oposição provavelmente (digo provavelmente porque de político pode-se esperar qualquer coisa) se unirá contra César. Para ser mais claro, contra painho. “Em Salvador, a dinastria Antônio Carlos Magalhães está seriamente ameaçada de extinção”, disse uma renomada colunista política.

E a Gretchen, heim?
No entanto, aqui, ali, acolá, em cima, em baixo, do lado, ______ (coloque no espaço qualquer advérbio de lugar), os principais personagens do dia foram, sem dúvida, os cabos eleitorais e a boca de urna. Alguém passou ileso a eles? Ganhando entre R$ 5 e R$ 20 em média (tudo gasto na própria farra), eles tomaram conta das ruas, “defendendo” seus candidatos (Haha. Gostei dessa frase. Defendendo candidato é ótimo, Alice), com santinhos, bandeiras e gritaria. Muita gritaria.

A maioria, naturalmente, era adolescente e criança. Em todo o Estado, 700 pessoas foram presas, segundo a assessoria da Polícia Militar. Mas, a notícia mais top dessas eleições foi a prisão da dançarina miss bumbum, Gretchen, agora rainha da boca de urna, que causou o maior tumulto na cidade de Senador Canedo, em Goiás.

Bônus track:
Apesar da folia instaurada, cenas chocantes puderam ser vistas nessas eleições: pais levando filhos para votar, deficientes superando a falta de infra-estrutura dos locais de votação para registrar sua opinião, idosos votando como se fosse a primeira vez, madames indo às seções com figurino caprichado, adolescentes com cara pintada, famílias inteiras, incluindo cachorro, seguindo alegremente ao local de votação. Impressionante.

Saudade

Ou: O que se há de fazer, não é mesmo?

Palavras, calas, nada fiz
Estou tão infeliz
Falasses, desses, visses, não
Imensa solidão

Eu sou um rei que não tem fim
E brilhas dentro aqui
Guitarras, salas, vento, chão
Que dor no coração

Cidades, mares, povo, rio
Ninguém me tem amor
Cigarras, camas, colos, ninhos
Um pouco de calor

Eu sou um homem tão sozinho
Mas brilhas no que sou
E o meu caminho e o teu caminho
É um nem vais, nem vou

Meninos, ondas, becos, mãe
E, só porque não estás
És para mim e nada mais
Na boca das manhãs

Sou triste, quase um bicho triste
E brilhas mesmo assim
Eu canto, grito, corro, rio
E nunca chego a ti

Mãe, de Caetano Veloso. Fiquei com Gal cantando isso ontem.

sexta-feira, 1 de outubro de 2004

Reflexão # 6

“A gente tinha dado uns beijos, mas ainda não estava nada certo. Então, eu perguntei para Davi: ‘Você lê?’. Como ele titubeou, fui logo dizendo: ‘Eu não leio. Não vem com papo furado de Clarice Lispector que não cola!’. Aí ele confessou que também não curtia ler”.

Ivete Sangalo, a mais nova solteira do pedaço, em entrevista à revista Veja, que lhe “deu” três páginas de editorial (Pernas pra que te quero) na edição do dia 01/09. Na época, a cantora mais badalada do momento, contava, em determinado momento da "matéria", como iniciou namoro com Davi Moraes, agora seu ex.

Quando li a tal matéria, há alguns dias, inicialmente não acreditei. Mas, depois, achei tão fofa a declaração de Ivete... Ela é tão estrategicamente povo, não é mesmo? E povo, nós sabemos, não lê. Resultado: identificação mais pura e sincera com ela, um ídolo vencedor (apesar de não ler). Mas não é só: na esteira da declaração na Veja, veio a lembrança uma outra dela no carnaval desse ano de EsseEsseÁ, cujo tema foi “Viva o povo brasileiro” em homenagem a João Ubaldo Ribeiro. No Campo Grande, Ivete avista o escritor e diz animadamente para ele: “... eu nunca li seu livro, mas minha irmã leu e me disse que é muito bom... he-he”. He-he.

Bem... Poderia falar sobre a questão da importância da leitura na vida de uma pessoa ou então da influência de um ídolo no comportamento daqueles que o acompanham e o veneram. Mas não. Citei essa declaração de Ivete porque me chamou a atenção um tema implícito nas nossas relações cotidianas: os gostos e desgostos em comum que fazem com que as pessoas fiquem umas com as outras. Afinal, uma pessoa que lê saberá viver sob o mesmo teto com uma pessoa que não tenha a mínima intimidade com um livro e vice-versa? Ou isso só acontece em literatura? Hummm... acho que ficou muito específico isso. Vou ampliar.

Oscar Wilde, em De profundis, um texto do tipo soco-na-alma escrito enquanto estava na prisão, diz: “Basicamente, o diálogo é o único vínculo capaz de unir duas pessoas, seja no casamento ou na amizade. Mas para que haja diálogo, é necessário que existam interesses comuns. E, entre pessoas de nível cultural totalmente adverso, o único interesse comum só pode existir ao nível mais baixo. A simplicidade de pensamentos e ações pode, inclusive, ser encantadora... no início. Depois cansa”. Claro que ele diz isso a partir da ótica dele, um intelectual.

Mas, eu poderia citar diversas relações (que eu conheço, vejo ou pelas quais passei) em que o casal simplesmente não tem papo. Acabou o tesão, acabou a relação. Uma coisinha, assim, tipo balada, entende? Mas aí, por outro lado, quando você vê um casal super entrosado, percebe que existe um interesse comum em jogo. Não necessariamente a leitura ou a falta dela. Por isso, a fala de Ivete vai além da singela e educativa declaração. Tsc, tsc... Nesse sentido, é uma pena, já que, desse jeito, nosso caldo não daria certo por muito tempo.